18 jan, 2016 - 12:25 • Catarina Santos (com Susana Madureira Martins)
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Passa das duas da tarde e o sol desenha um espelho de prata no mar da Nazaré. O vento é o de sempre por estas bandas, mas das ondas que volta e meia trazem jornalistas à região, nem sinal. Por isso Maria Júlia e Anabela estranharam os carros de exteriores ali na marginal.
"O McNamara até partiu um braço lá no país dele e agora não vem à Nazaré." As varinas param em frente ao restaurante Adega do Oceano e acabam por perceber que a maré trouxe outro isco. "Afinal disseram-me que era a Maria de Belém". Anabela "não era capaz" de entrar para a cumprimentar, mas não é por antipatia. "Vou-lhe ser sincera: eu nunca votei, mas gosto dela"." Ainda não decidiu, contudo, se vai estrear-se dia 24.
Uma terceira varina de nome Maria Rosa junta-se à conversa e as três mulheres atropelam-se para discorrer sobre como todos os outros candidatos "falam, falam, falam, mas não dizem nada". A voz de Anabela sobrepõe-se para sustentar que a candidata que almoça ali em frente "é humilde na linguagem que usa com o povo e os outros não". Se vai cumprir o que anuncia não sabe, "porque eles, antes de lá estarem, prometem e depois não cumprem nada", mas também porque não sabe bem o que Maria de Belém defende. "Não tenho estado com atenção à campanha, mas é dela que eu gosto, pronto".
O movimento na Nazaré estava para durar e aquela tarde ainda havia de trazer também Marcelo Rebelo de Sousa, mas Maria Rosa não ficaria para ver. "Até ia lanchar com ele, mas como ele não paga não vou". A cor política a que o associa não lhe agrada. "Quando não voto no PS não voto por ninguém". Sem um candidato claramente apoiado pelos socialistas, a varina está indecisa: "Não sei. Logo se vê. Quando eu vir o papel e a lapiseira é que vejo por quem é que vou votar".
São as "Marias Rosas" espalhadas pelo país que aconselham cautela na análise das mais recentes previsões. O estudo da Eurosondagem para a SIC e o "Expresso" dá vitória à primeira volta ao único candidato da direita (com 54,8%) e indica uma tendência de descida nas intenções de voto para Sampaio da Nóvoa (fica nos 16,8%) e ainda mais para Maria de Belém (16,3%).
A uma semana do fim da campanha, a candidata diz acreditar "com certeza" que vai a uma segunda volta. Resta-lhe uma semana para tentar virar o jogo.
Na crista de uma onda feminina
Pegando no potencial do canhão da Nazaré e na forma como a região soube chamar holofotes internacionais até si, Maria de Belém diz que é também "na crista da onda" que quer colocar o país.
Depois da "situação complicada" que Portugal passou, em que "sentimos todos" que "fomos, de certa forma, humilhados", a candidata quer ajudar o país a "recuperar a auto-estima". Por isso tem investido tanto tempo a visitar "bom exemplos" de "portugueses que arriscaram, conseguiram e criaram emprego".
Seja entre cabos, assessórios para canalizações ou num negócio da área agro-alimentar, Belém inteira-se das particularidades do sector, dos motivos do sucesso da empresa e, à medida que vai avançando pelos corredores, presta particular atenção às funcionárias. Os próprios responsáveis que lhe fazem a visita guiada têm por vezes o cuidado de colocar as senhoras de sobreaviso para que se juntem em grupo quando a candidata chega. Maria de Belém quer que a promoção da "igualdade" - salarial e não só - seja uma marca forte da sua campanha, até porque é "algo que em períodos de crise tende a ser esquecido".
Tomemos o exemplo de uma curta visita à empresa de cablagem Cablotec, no concelho de Sintra. A candidata circula durante uns 15 minutos entre as mesas de trabalho e, no final, as mulheres reúnem-se para uma fotografia conjunta. "Estava aqui a vossa presidente a dizer que este trabalho é tão minucioso que precisa de senhoras a produzi-lo. É o pormenorzinho, não é?", pergunta Belém muito sorridente.
Respondem-lhe que sim, que aquelas encomendas até são para comboios suíços e que há "uma exigência muito grande porque pode gerar acidentes" se o trabalho não ficar bem feito. Terminam a conversa com a oferta de um ramo de flores - sinal evidente de que a empresa é gerida por uma senhora, que se lembra "destes mimos e destes carinhos", diz a candidata do "gesto simpático" que a deixa "sensibilizada".
A dada altura, Belém é questionada sobre os perigos de centrar a mensagem no género feminino e é evidente alguma irritação. A candidata acaba por responder que "o discurso da igualdade das mulheres não é um discurso contra os homens, é um discurso de homens e mulheres que reclamam o aprofundamento dos direitos humanos", sublinhando que "um dos prejuízos graves da desigualdade é o empobrecimento colectivo".
Palavras proferidas na inauguração da sede de campanha da Marinha Grande, logo depois de a mandatária concelhia, Isabel Ferreira, ter sublinhado, precisamente, a importância de ter uma mulher na presidência, pedindo que Deus lhe dê coragem e genica.
Entre os que batiam palmas no apertado espaço estava Maria Fernanda Lopes, munida de uma bandeira nacional. Os 68 anos de vida dizem-lhe que é tempo de "mudar isto para uma mulher, que elas têm um sexto sentido"". Com a mesma idade, Manuela Constância vai abanando a cabeça ali ao lado para acabar por acrescentar que "ela é a mais competente", porque "tem muita experiência, muitos conhecimentos e ninguém a enrola".
Tem ao peito um autocolante que pede "vote bem, vote em Belém", mas não está muito confiante. "É um bocado complicado, porque são muitos a concorrer para o mesmo". Sem o apoio do PS, só veria hipótese de vitória para a sua candidata "se as mulheres votassem nela, se quisessem pôr lá uma senhora." Não que isso seja sinónimo de "milagres", mas confessa que "gostava de ver a experiência no feminino".
Uma campanha dentro de portas
No panfleto que a comitiva "Belém 2016" tem vindo a distribuir pelo país sumarizam-se as ideias que a antiga ministra responsável pelas pastas da Saúde e da Igualdade nos Governos de António Guterres vai repetindo de discurso em discurso. Um país "justo e solidário", onde "todos e todas tenham voz" independentemente da sua condição, com igualdade de oportunidades, valorização do empreendedorismo e da criatividade, com saúde e educação para todos e onde os funcionários públicos "sejam respeitados".
José Montes passa os olhos pela folha com a fotografia da candidata, enquanto se queixa de que a comitiva passou rápido demais pela feira da Nazaré. "Nem perguntaram nada, se queríamos alguma coisa…", atira o vendedor. Era o sexto dia de campanha oficial e Maria de Belém estreava-se no contacto com a população. Numa feira quase vazia, perto da hora de almoço, o passeio fez-se em passo acelerado, com poucas paragens para conversas.
Uma semana de campanha está passada e Maria de Belém gastou-a sobretudo dentro de portas - entre empresas, misericórdias, hospitais e universidades. A sua zona de conforto. O motivo principal, diz a candidata, é que a orientar a campanha estão as matérias para as quais quer chamar a atenção.
Maria de Belém até admite que este tipo de iniciativas são importantes "para dar visibilidade ao acto eleitoral" e para que as pessoas possam "contactar directamente e pessoalmente" com os candidatos, mas também lembra "o estado do tempo", que "não tem sido muito favorável a estar num espaço ao ar livre".
Perante a insistência no tema por parte dos jornalistas e a comparação do ritmo da sua campanha com as de outros candidatos, nova irritação no tom de voz. "É a primeira vez que me encontram [numa acção de rua], vossas excelências, na campanha oficial, mas em pré-campanha já fiz muitas acções destas". E acrescenta: "Nem sequer sou eu que desenho o programa da campanha".
Umas horas mais tarde voltaria ao assunto, ao almoço, retomando o tom sereno que a caracteriza, para garantir que, se for eleita, será "uma presidente próxima das pessoas e sem barreiras". Até porque os "testes de rua" que fez ao longo de "toda a vida" ensinaram-lhe que "muitas pessoas atingidas pelas adversidades nunca conseguem chegar a nenhum decisor político ou a alguém que as represente".
O meu programa é que é a Constituição
Maria de Belém tem por princípio não comentar as outras campanhas, até porque nem sempre as consegue acompanhar. "Como sabem, tenho estado em campanha até bastante tarde. Quando consigo assistir a um resumo noticioso vejo aquilo que se tem passado".
Certo é que viu o suficiente para tropeçar em Sampaio da Nóvoa a dizer que tinha como programa a Constituição - e não gostou. Perante cerca de 250 pessoas, num jantar-comício em Santo Tirso, sem nunca referir o nome do ex-reitor, Maria de Belém afirmou-se vítima de plágio.
"Vários candidatos apareceram com programas de governo e perceberam que estavam a cair no erro que hoje é responsável pelo afastamento das pessoas em relação aos políticos, que é prometerem aquilo que sabem que não podem cumprir. E agora, mais tarde, já vêm dizer 'o meu programa é a Constituição'. Mas não foi por aí que começaram e em política também há direitos de autor", afirmou, arrancando aplausos à sala.
Os momentos de crítica a Sampaio da Nóvoa - sem nunca se referir a ele directamente - têm vindo a crescer, mas os ataques mais duros, quer ao antigo reitor, quer a Marcelo Rebelo de Sousa, têm ficado a cargo dos pesos pesados que a espaços aparecem na campanha.
Jorge Coelho tinha já feito mira a ambos em Viseu; Manuel Alegre, presidente da comissão de honra de Maria de Belém, não poupou Nóvoa, no mesmo jantar de Santo Tirso, alegando que usurpou a expressão "tempo novo" a António Costa sem lhe conferir real sentido, e disparou na direcção do PS, acusando a direcção socialista de fazer "batota" e de apoiar de forma velada um candidato quando tinha dito que não o faria.
De cabelo branco impecavelmente penteado para trás, António Martins escutava ao fundo da sala e aplaudia, efusivo, os tiros de Alegre e as causas de Belém. Militante do PS, confessa que "foi uma desilusão o doutor António Costa não ter tido o cuidado de apoiar uma militante com 41 anos de partido" " e acredita que a actual direcção "não teve a qualidade suficiente" para ultrapassar o facto de Maria de Belém ter sido apoiante de António José Seguro nas directas contra Costa.
A este propósito, Alegre tinha já recordado que fazia parte, com Vera Jardim e Almeida Santos, de uma "facção que apoiou António Costa para primeiro-ministro". E acrescentou que, apesar de não gostar "da palavra facção", se tem de a usar então que seja no plural: "Esta candidatura é de facções, porque nela estão representadas todas as sensibilidades do Partido Socialista".
Atento ao percurso de todos os candidatos desde os debates, António Martins gostou de ver Marcelo Rebelo de Sousa "estremecer por todos os lados quando foi apertado" e admite que quem o conseguiu de forma mais eficaz foi mesmo Sampaio da Nóvoa no frente a frente que os juntou.
António puxa créditos de muitos anos como vendedor e director comercial para aconselhar Belém a ser "mais incisiva, ir mais para a luta, não ser tão pacificadora" nesta segunda semana, porque "ainda está a tempo de inverter a situação" e derrotar "o grande perigo" chamado Marcelo.
De Santo Tirso à Nazaré são 200 quilómetros, que é mais ou menos a distância que separa a esperança de António Martins da resignação da varina Anabela, que está convencida de que tudo se resolve como indicam as previsões, "derivado dos debates que Marcelo tinha na TVI". Ela própria, que apoia Belém, era fã e não perdia um comentário de domingo, conta, encolhendo os ombros.