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Tribunal do Vaticano julga ex-núncio por pedofilia

11 jul, 2015

Caso foi o tema do “Em Nome da Lei” deste sábado. Julgamento foi entretanto adiado.

Tribunal do Vaticano julga ex-núncio por pedofilia
O caso de Josef Wesolowski foi o tema do “Em Nome da Lei” deste sábado.

É um julgamento inédito. Pela primeira vez, o sistema judicial do Estado do Vaticano julga um membro do clero pela prática de pedofilia. Josef Wesolowski, 66 anos, está acusado de abuso sexual de quatro menores, ao tempo em que foi Núncio na República Dominicana e também da posse de pornografia infantil.

O julgamento estava marcado para este sábado, mas acabou por ser adiado. Josef Wesolowski foi internado no hospital e está nos cuidados intensivos.

O padre José Alfredo Patrício, membro do tribunal Eclesiástico de Lamego, sublinha que o julgamento que começou este sábado não visa apenas punir o crime, mas sobretudo dar um sinal às vítimas e às suas famílias. “Este julgamento que hoje inicia tem como objectivo primeiro não só punir a pessoa em questão pelos possíveis delitos que possa ter cometido mas sobretudo porque há vítimas nisto e a Igreja tem que estar próxima das pessoas que mais sofrem. Desse ponto de vista é um acto inédito mas sobretudo que manifesta na prática essa grande preocupação que a igreja tem de ter e tem com as vítimas deste tipo de delitos”, disse.

O julgamento poderá estar terminado até ao final do ano. O ex-núncio de nacionalidade polaca pode ser condenado a uma pena até 14 anos de cadeia. O antigo Núncio na República Dominicana está acusado de abusar de quatro menores, engraxadores em Santo Domingo, e também da posse de pornografia infantil.

Embora beneficie da presunção de inocência, a percepção do padre José Alfredo Patrício é que será condenado, atendendo a que foi já antes julgado pelo Tribunal Eclesiástico, que o demitiu de todos os cargos e lhe retirou o estado clerical. “A minha percepção é que o Tribunal Eclesiástico é um tribunal muto minucioso na apreciação de provas. Se houve uma demissão do estado clerical, ou seja se a pessoa perdeu todos os direitos e deveres relacionados com a sua ordenação não só sacerdotal mas também episcopal (porque era um bispo) quer dizer que as provas que estão em cima da mesa são provas bastante credíveis. Portanto, mantendo a presunção de inocência, as possibilidades dele vir a ser condenado são bastante grandes”, acrescenta.

O ex-Núncio polaco ia ser julgado porque há um ano o Papa Francisco criou a base legal para que as leis penais do Vaticano se aplicassem aos seus representantes diplomáticos.

Pedro Vaz Patto, juiz no Tribunal da Relação do Porto e nos tribunais eclesiásticos, diz que não é correcto falar num novo paradigma introduzido pela Papa Francisco em relação ao tratamento da pedofilia no seio da Igreja, mas admite que alguns bispos omitiram informação que tinham, por erradamente acharem que dessa forma preservavam o bom nome de Igreja.

“O que levou durante algum tempo por parte dos bispos a não actuar foi esta ideia errada de que o bem da Igreja prevalecia sobre tudo e aqui era o bem da igreja mal interpretado, no sentido do bom nome, reputação. E para se preservar esse bom nome acabou por se sacrificar as vítimas”, referiu.

O advogado e professor universitário Luís Fábrica entende que há uma nova atitude deste Papa. Mais do que nas palavras, nos actos, Francisco inaugura um novo relacionamento com a sociedade.

“Revela mais do que não sei quantos comunicados ou algumas encíclicas, revela que algo mudou e mudou para melhor. É evidente que não podemos esquecer que nem todos os sectores da Igreja estão fantasticamente felizes com esta mudança, mas a Igreja é uma entidade plural, feita de muitas pessoas e muitos entendimentos. Eu pessoalmente estou totalmente de acordo e acho que, na verdade, as acções, e não apenas as palavras deste novo Papa, permitem augurar uma modificação muito positiva na forma de relacionamento da Igreja com a sociedade e a própria forma como a Igreja se organiza internamente”.

Eurico Reis, juiz do Tribunal da Relação de Lisboa, habitual comentador do Em Nome da Lei, diz que o horror da pedofilia é que marca as vítimas como um ferro em brasa. “O horror da situação é que são seres humanos que ainda estão em formação e que ainda não sabem medir o alcance das coisas, portanto não tem uma compreensão total do significado dos actos que estão a praticar e que mercê destes actos que normalmente são exercidos por pessoas com autoridade, que deviam ser modelos de referência, vão distorcer a percepção das vítimas relativamente aquilo que é o deve ser. É o mesmo que um ferro em brasa, fica ali uma cicatriz, e por isso é que isto são actos merecedores de grande sancionamento”, diz.

Foram declarações feitas ao programa da Renascença “Em Nome da Lei” que este sábado debateu o julgamento inédito que estava para começar este sábado no Vaticano.