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"Falhámos no básico da política de saúde mental em Portugal"

02 jul, 2015 • Anabela Góis

Estudo europeu revela que plano português de cuidados continuados na saúde mental não saiu do papel. Coordenador do estudo revela também o que de positivo aconteceu em Portugal.

"Falhámos no básico da política de saúde mental em Portugal"
“Estava tudo pronto” e nada avançou. Pronto desde 2011, o plano de cuidados continuados de saúde mental continua na gaveta. Muito longe do aceitável estão também os programas de intervenção domiciliária, a colaboração com os cuidados primários e os programas integrados para doentes mentais graves.

“A implementação dos cuidados continuados de saúde mental foi uma falha terrível, porque tudo o que estava planeado para ser feito em termos de residências, centros de dia e equipas domiciliárias não chegou a arrancar. Andámos para trás no sentido de, em vez de desenvolvermos coisas na comunidade, voltarmos a desenvolver coisas em instituições”, critica o psiquiatra Caldas Almeida à Renascença.

As falhas são apontadas num relatório que vai apresentado esta quinta-feira em todos os países da Europa. Ao longo dos últimos dois anos e meio, foi analisada a transição dos modelos institucionais de saúde mental para os modelos baseados na comunidade.

“Voltámos a apostar, sobretudo, em camas e em instituições quando precisamos é de apostar em equipas com pessoas na comunidade, que estejam junto das pessoas, que possam ir a casa das pessoas. E falhámos naquilo que era o elemento básico da política de saúde mental em Portugal, que foi disseminar no país equipas comunitárias no terreno. Temos muito poucas e nos últimos anos nada se fez para se desenvolver esse campo”, aponta ainda o especialista português, que coordenou o estudo ao nível europeu.

Caldas Almeida sublinha que a evidência científica mostra que o futuro da saúde mental passa por substituir grandes hospitais psiquiátricos por serviços próximos da comunidade, equipas domiciliárias e serviços hospitalares, bem integrados com os cuidados primários.

Mas há aspectos da reforma em Portugal que também merecem elogios: mais de 75% da população depende de cuidados prestados por serviços com base em hospitais gerais, que substituíram os hospitais psiquiátricos como elemento central do sistema de saúde mental.

Por exemplo, o mais antigo hospital psiquiátrico do país (Hospital Miguel Bombarda) fechou portas, o que levou à criação de um conjunto de novos serviços de saúde mental em vários hospitais gerais (Barreiro, Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, Cascais Amadora, Almada, Setúbal, Évora, Beja) e na comunidade.

O psiquiatra José Miguel Caldas de Almeida destaca ainda a legislação nacional. “Conseguimos desenvolver uma excelente lei de saúde mental, um bom plano de saúde mental; lançámos as bases dos cuidados continuados de saúde mental. Foi um trabalho muito grande do ponto de vista legislativo, de planos, de orçamento. Está feito, agora é só pôr em prática”, afirma.
 
Contactado pela Renascença, o Ministério da Saúde não faz comentários. O gabinete do secretário de Estado Adjunto do ministro Paulo Macedo diz não conhecer o teor do documento e lamenta que “os investigadores que produziram o relatório da saúde mental” tenham entendido “divulgá-lo à comunicação social antes de ao Ministério da Saúde”.

Os três melhores na saúde mental
O relatório divulgado esta quinta-feira pela União Europeia ("EU Joint Action on Mental Health and Wellbeing") ajuda a compreender a situação actual em cada um dos 28 Estados-membros.

Há três que se destacam pela positiva, que fizeram bastante melhor do que os outros: Reino Unido, Espanha e Itália. "Não são só os países com mais recursos que fazem as coisas bem", conclui Caldas Almeida.

"Em Portugal, tentámos fazer o mesmo que os italianos e os espanhóis, mas não conseguimos, nem pouco mais ou menos, ser tão eficazes", finaliza.

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