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"As pessoas gostam do Serviço Nacional de Saúde, há uma defesa do SNS quase instintiva"

19 jun, 2015 • Paulo Ribeiro Pinto

"Grande desafio" está em saber que SNS queremos ter no futuro, diz economista Pedro Pita Barros. Tema foi debatido na Feira do Livro de Lisboa.

O debate era sobre o estado do Serviço Nacional de Saúde, mas acabou por se debater um pouco de tudo: os problemas financeiros do sistema, as urgências, a falta de médicos de família, a relação médico-doente e a formação e a selecção dos futuros clínicos. O neurocirurgião João Lobo Antunes, o economista Pedro Pita Barros e a jornalista Joana Bénard da Costa discutiram o futuro da saúde em Portugal, a 12 de Junho, na Feira do Livro de Lisboa.

As questões eram disparadas a um ritmo implacável por João Lobo Antunes. O neurocirurgião do Hospital de Santa Maria, que presidia à mesa do debate, queria saber qual a opinião dos intervenientes sobre o Serviço Nacional de Saúde (SNS): a jornalista Joana Bénard da Costa, autora do livro "Na Urgência", e Pedro Pita Barros, economista, autor do livro "Pela Sua Saúde", ambos publicados pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.

A Joana Bénard da Costa, Lobo Antunes confessou a descrença num livro escrito por uma jornalista. "Devo dizer que desconfio sempre destes livros pequeninos feitos por jornalistas. E pensei: ‘É mais uma destas conversas moles’. E, de facto, comecei a ler isto e a pensar: ‘Aqui está uma jornalista que vai viver para o serviço de urgência, como o do Hospital de Santa Maria, que é um serviço diabólico, imersa nessa realidade’ e é capaz de escrever um livro humano, crítico, independente. E faz uma coisa notável: lê-se como um romance, mas um romance real."

"Foi uma experiência riquíssima, tanto do ponto de vista pessoal, como profissional. E, depois de um mês no serviço de urgência, percebe-se que o SNS é fundamental para as pessoas", disse Bénard da Costa.

Pita Barros elencou três questões: "Será que o Serviço Nacional de Saúde vai acabar? É possível garantir que o SNS é sustentável? Há motivos para retirar a confiança dos portugueses no SNS?"

O economista respondeu com a certeza de que o perigo de acabar "há sempre", mas a crença "que não existe um risco efectivo de o SNS acabar. "As pessoas gostam do SNS, há uma defesa do SNS quase instintiva. A questão que devemos colocar é que Serviço Nacional de Saúde queremos daqui a dez ou 20 anos. E é aí que temos o grande desafio."

Pedro Pita Barros lança um aviso sobre a necessidade de preservar a sustentabilidade do SNS. "Se não cuidarmos bem da parte financeira podemos estragar o SNS e mesmo que tratemos bem da parte financeira isso não é suficiente", remata. E uma aposta: "Não sei o que será o SNS daqui a 10 anos, mas consigo apostar que ainda existirá."

A saúde tem preço? A pergunta de João Lobo Antunes foi para o economista da mesa. Contexto: os custos cada vez mais elevados dos tratamentos e da sustentabilidade do SNS.

Pedro Pita Barros arrumou a questão numa frase: "A saúde, em si mesma, não tem preço. Ninguém pode ir a um supermercado e tirar três quilos de saúde." O problema, refere o economista, deve ser colocado de outra forma em relação ao benefício de tratamentos médicos muito caros para o bem-estar dos doentes. "Valerá a pena prolongar a vida de um doente por dias ou semanas a um custo muito elevado para o SNS?"

O desafio do SNS, refere Pita Barros, estará mais na organização, na forma como se responde às novas exigências de uma população envelhecida que "vai querer estar em casa em vez de instituições – e alguém terá de tratar delas".

A relação médico-doente
João Lobo Antunes introduziu a questão da empatia entre médico e doente para explicar que "não é possível tratar ninguém sem haver uma relação, uma emoção".

Descrevendo uma experiência no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, com médicos internos, o neurocirurgião leu três testemunhos sobre o dia-a-dia de jovens clínicos e a descrição que faziam da sua experiência no tratamento de doentes.

Neles descreviam o ritmo de trabalho e a resposta aos que acorriam ao SNS. Uma medicina "narrativa", chamou-lhe Lobo Antunes, que Joana Bénard da Costa reconheceu do tempo que passou nas urgências. "É como se a vida ficasse em suspenso, é um outro mundo, em que as luzes nunca se apagam. Há uma falta de sintonia entre o que se passa lá dentro e cá fora. É como entrar noutra dimensão", referiu a jornalista.

"E a noite é terrível", acrescentou Lobo Antunes. "É quando se morre mais, é aquela sensação de abandono, mas curiosamente também há mais nascimentos."

De que matéria se faz um médico?
O desafio foi lançado da plateia: o que faz um bom médico? João Lobo Antunes empurrou primeiro para Pedro Pita Barros.
O economista respondeu: "É preciso uma sólida formação dada na universidade e ter capacidade de ouvir e não apenas prescrever coisas. E o médico do futuro vai ter de ser capaz de fazer duas coisas importantes: lidar com os profissionais de saúde e ter uma verdadeira parceria com os doentes."

Lobo Antunes lembrou uma experiência, entretanto abandonada, no Hospital de Santa Maria em que se entrevistavam os candidatos, à semelhança dos Estados Unidos. "O que nos falta mais é esta medicina narrativa, esta sensibilização, e depois o trabalho em equipa. É preciso saber escolher. Educar mulheres e homens, dedicados, íntegros, imbuídos do sentido do dever. E que gostem das pessoas, no amor ao próximo. É preciso tocar o piano de cada um."

Esta semana, a Renascença transmitiu todos os dias, às 19h00, o melhor dos debates que decorreram durante a Feira do Livro de Lisboa, no espaço da Fundação Francisco Manuel dos Santos.