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As novas cidades transformaram a obesidade numa “doença da civilização”

22 mai, 2015 • André Rodrigues e Hugo Monteiro

Estilo de vida urbano potencia maus hábitos alimentares e não promove a prática desportiva. Sociedade para o Estudo da Obesidade estima que haja um milhão de obesos em Portugal.

As novas cidades transformaram a obesidade numa “doença da civilização”
É uma doença tipicamente urbana. A obesidade está a aumentar significativamente por causa dos maus hábitos de vida nas cidades. A Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade (SPEO) estima que cerca de um milhão de adultos portugueses sofram da doença. E que uma em cada três crianças entre os dois e os 12 anos seja obesa.

Para Davide Carvalho, presidente da SPEO, é uma consequência do estilo de vida nas novas cidades, “que transformaram a obesidade numa doença da civilização, porque expulsaram as pessoas para os subúrbios”, obrigando-as, em muitos casos, a usar a viatura para se deslocarem para os locais de trabalho.

“Por outro lado, a alimentação da pessoa deslocada faz com que mais facilmente vá reduzir o intervalo de tempo que tem para comer, muitas vezes de pé em menos de uma hora – que é o tempo padrão da pausa para almoço – o que potencia a ingestão rápida excessiva de alimentos”.

Porto dá o exemplo
No sábado, Dia Nacional e Europeu da Obesidade, a SPEO organiza em Lisboa uma conferência onde vai ser apresentado um estudo feito na cidade do Porto, que conclui que a prática de desporto na via pública depende, sobretudo, da acção dos municípios na criação dos espaços adequados.

“Passeios largos, jardins ou parques ao ar livre” são o convite ideal para a promoção da actividade física “com níveis de adesão bastante satisfatórios”.

Nesse particular, “o Porto é um bom exemplo”, conclui o presidente da SPEO.

São João recebe mil crianças por ano na consulta de nutrição
Tiago (nome fictício) tem nove anos. Tinha sete quando entrou pela primeira vez no consultório da unidade de nutrição pediátrica do Hospital de São João. Em dois anos, a evolução é lenta, mas vê-se.

“O problema é que ele só parava de comer quando eu lhe dissesse”, começa a mãe. Joana tenta todos os dias a melhor abordagem ao problema do filho que precisou de ser confrontado de frente com a situação.

“Tive que lhe dizer que ele estava gordo e perguntar-lhe se não achava melhor começar a comer menos e fazer ginástica”. Tiago concordou e até passou a ser companheiro habitual da mãe nas caminhadas perto de casa. Uma prática tão irregular quanto a disponibilidade permitida pelos horários.

Joana trabalha por turnos “e quando chego a casa depois das 8h30 da noite, ainda tenho de fazer o jantar, comer… já não consigo sair de casa depois… Quando faço manhã é mais fácil”, reconhece.

No Hospital de São João, no Porto, Céu Espinheira coordena a consulta de nutrição pediátrica, onde, todos os anos, cerca de mil crianças são observadas. Por um lado, “há cada vez mais crianças a necessitarem de uma primeira consulta”, diz, por outro, “há também uma maior consciencialização por parte dos pais e dos médicos das diversas especialidades de que é preciso encaminhar estes casos o quanto antes”.

A culpa é da publicidade
Dentro do consultório expõe-se o problema e aprende-se a estratégia para o resolver. Mãe e filho ouvem dicas práticas. São simples, mas fazem a diferença: comer menos, evitar excessos, substituir alimentos calóricos por frutas e verduras, fazer exercício.
Nem sempre é fácil.

O “marketing” agressivo que entra nas casas através da televisão marca presença também nas prateleiras dos supermercados. É uma das maiores resistências ao sucesso.

Céu Espinheira admite que é “extraordinariamente difícil ir às compras com crianças quando os pais são sistematicamente bombardeados com publicidade a produtos que não são adequados num regime alimentar saudável”.

Esta especialista defende, por outro lado, “um alargamento do leque da oferta e dos horários das actividades físicas organizadas”. Isto porque, “muitas vezes, os horários dos pais não são compatíveis com o futebol ou a natação dos filhos”, conclui.