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1948-2015

Mariano Gago. O ministro discreto que mudou a ciência em Portugal

17 abr, 2015 • Ricardo Vieira

Físico de partículas, investigador e professor, fez parte de quatro governos durante 12 anos. Mariano Gago lamentava que, sempre que o nível de qualificações aumentava em Portugal, "logo se ouve um coro trágico lamentar-se: 'Mas que vão fazer?"

Mariano Gago. O ministro discreto que mudou a ciência em Portugal
Licenciado Engenharia Electrotécnica, com doutoramento em Física, lançou o regime de fundações nas universidades, encerrou as universidade privadas Independente, Moderna e Internacional e concretizou o processo de Bolonha. Somou mais de 4600 dias como ministro, nos governos de Guterrres e de Sócrates, na área da Ciência e do Ensino Superior. Mariano Gago morreu esta quinta-feira, em Lisboa. Tinha 66 anos.

Foi procurado pela PIDE, comparou as praxes violentas a práticas de carácter "fascista e boçal" e nunca deixou de olhar para o desenvolvimento científico como uma "força democrática". Na academia, no laboratório ou no governo, por onde passou Mariano Gago dedicou a vida ao conhecimento.

O antigo ministro da Ciência, que morreu esta sexta-feira, aos 66 anos, disse à revista "Análise Social" que chegou a pensar que "nunca mais voltaria" a Portugal. Mas a "Revolução dos Cravos" permitiu o regresso a casa.

Nessa entrevista, em Julho de 2011, descreveu-se como membro de uma geração que quis levar a ciência para a rua, a experimentação para a escola e a argumentação científica para os debates da sociedade e para a política.

Num olhar sobre quatro décadas de democracia, o físico de partículas afirmou não conhecer "nenhum país que tenha conseguido o feito de Portugal". Num curto espaço de tempo, multiplicou-se o número de investigadores, a produção científica e o PIB em investigação e desenvolvimento, concluiu. 

Não à "portuguesíssima teia da desgraça"
Considerava, no entanto, que ainda havia muito a fazer. Lamentava que, sempre que o nível de qualificações aumentava em Portugal e se formavam mais pessoas, "logo se ouve um coro trágico lamentar-se: 'Mas que vão fazer? Onde arranjarão emprego? Alguma vez terão futuro no nosso país? Para que servirão?'"

"Transparece aqui uma mistura de derrotismo triste, aparente bom senso, ansiedade e medo do futuro que formam a nossa portuguesíssima teia da desgraça, assente em séculos de pobreza e de falta de oportunidades, a emigração como única fonte de mobilidade social. Mas vale a pena confrontar essa ansiedade com o real. Ora, na realidade, nos últimos 30 anos, Portugal não foi um país de 'fuga de cérebros'. Como será no futuro, não sabemos", declarou.

Licenciado em Engenharia Electrotécnica e doutorado em Física, Mariano Gago foi o ministro que, após 1974, mais tempo ocupou o cargo em governos constitucionais, num total de 12 anos.

Fez parte de quatro governos liderados por António Guterres e José Sócrates. Apostou na investigação, lançou o processo de passagem de universidades a fundações, encerrou as universidade privadas Independente, Moderna e Internacional e concretizou o processo de Bolonha.

"Devemos-lhe a aposta na ciência"
"Um tipo fora de série". Foi assim que o investigador na área da Bioquímica, Sobrinho Simões, se referiu a Mariano Gago, numa entrevista ao "Jornal de Negócios", em 2012.

"Houve uma aposta de vários governos na ciência. Tivemos a sorte de ter durante dois períodos muito grandes como ministro da Ciência o Mariano Gago. Um tipo fora de série. Como partimos de valores muito baixos, tivemos crescimentos que são de facto recordes mundiais. Mas então, por que é que somos tão bons em ciência e não somos tão bons nas universidades", questionou o director do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (IPATIMUP).

Para o físico Carlos Fiolhais, "há uma ciência antes de Mariano Gago, que era muito pequena, e uma ciência depois de Mariano Gago, que é muito maior".

Em declarações à Renascença, o professor e ensaísta afirma que "muitos jovens que hoje estão na ciência devem-lhe a ele. Devemos-lhe a aposta na ciência, o Ministério da Ciência, a Fundação para a Ciência [e a Tecnologia] e a Agência Ciência Viva".

As praxes e o reitor que "chumbou" o ministro
Mariano Gago não agradou a todos. Em Março de 2011, o então reitor da Universidade de Lisboa, Sampaio da Nóvoa, disse ao jornal "Público" que "chumbava o ministro", porque não teve a coragem de enfrentar os interesses instalados na área do Ensino Superior, nem de fazer as duas reformas que considerava mais importantes: a reorganização da rede de ensino superior e a revisão do estatuto da carreira docente universitária.

Ministro conhecido pela discrição, em Setembro de 2009 avisou que não iria tolerar abusos nas praxes académicas e que iria denunciar os casos ao Ministério Público.

Nesse arranque de ano lectivo, repudiou o que apelidou de "práticas de humilhação e de agressão física e psicológica" com carácter "fascista e boçal" aplicadas aos caloiros.

Além do percurso político, foi investigador no reputado laboratório europeu CERN, em Genebra, presidente da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, dirigiu o Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas e leccionou no Técnico.

Em entrevista ao programa "Diga Lá, Excelência" da Renascença e do Público, em Novembro de 2005, foi questionado em qual dos papéis se sentia melhor: ministro da Ciência, da Tecnologia ou do Ensino Superior?

“Nos três. Sou professor do ensino superior, trabalho em ciência e muita da ciência que fiz envolveu tecnologia. Essas três componentes fazem parte da minha vida”, respondeu “Sr. Ciência”.