Emissão Renascença | Ouvir Online

Arranca o Registo do Testamento Vital. O que é e para que serve?

01 jul, 2014 • Eunice Lourenço com Cristina Nascimento

Fazer um testamento vital passa a ser mais prático, barato e acessível. Com este documento, os cidadãos dizem que cuidados de saúde querem rejeitar, em determinadas circunstâncias.

Há já dois anos que é possível, em Portugal, fazer um testamento vital, mas, só agora, vai entrar em funcionamento o Registo Nacional do Testamento Vital. Fazer um testamento vital passa a ser mais prático, barato e acessível. Outra grande alteração é que passa a existir uma base de dados onde os testamentos vitais estão registados e que os profissionais de saúde são obrigados a consultar.

O que é o testamento vital?
É uma directiva antecipada de vontade em matéria de cuidados de saúde. É um documento em que cada cidadão, maior de idade e capaz, pode manifestar a sua vontade sobre os cuidados de saúde que deseja ou não receber caso fique numa situação de incapacidade.

Quem pode fazer um testamento vital?
Qualquer pessoa maior de idade que não se encontre interdita ou inabilitada por anomalia psíquica e que esteja capaz de dar o seu consentimento consciente, livre e esclarecido. É essencial ter um número de utente.

O que é que o testamento vital pode dizer?
Podem constar do documento disposições que expressem a vontade clara e inequívoca do outorgante sobre:
• Não ser submetido a tratamento de suporte artificial das funções vitais;
• Não ser submetido a tratamento fútil, inútil ou desproporcionado ao seu quadro clínico e de acordo com as boas práticas profissionais, nomeadamente no que concerne às medidas de suporte básico de vida e às medidas de alimentação e hidratação artificiais que apenas visem retardar o processo natural de morte;
• Receber os cuidados paliativos adequados ao respeito pelo seu direito a uma intervenção global no sofrimento determinado por doença grave ou irreversível, em fase avançada, incluindo uma terapêutica sintomática apropriada;
• Não ser submetido a tratamentos que se encontrem em fase experimental;
• Autorizar ou recusar a participação em programas de investigação científica ou ensaios clínicos.

Como se faz?
O testamento vital tem de ser formalizado através de um documento escrito, assinado presencialmente perante funcionário devidamente habilitado do Registo Nacional do Testamento Vital ou, se enviado por correio, a assinatura tem de ser reconhecida por notário. Não pode ser enviado por correio electrónico. Deve ser entregue no centro de saúde da sua área de residência.

O que consta no documento?
• A identificação completa do outorgante;
• O lugar, a data e a hora da sua assinatura;
• As situações clínicas em que as directivas antecipadas de vontade produzem efeitos;
• As opções e instruções relativas a cuidados de saúde que o outorgante deseja ou não receber, no caso de se encontrar em alguma das situações referidas.
Quem faz um testamento vital pode recorrer à colaboração de um médico para a elaboração das directivas antecipadas de vontade. Nesse caso, a identificação e a assinatura do médico podem constar no documento.

A lei que permitia fazer um testamento vital já estava em vigor. O que muda?
Passa a ser mais funcional, mais fácil e mais barato, devido à entrada em funcionamento do Registo Nacional do Testamento Vital. Até agora, os interessados tinham de fazer o testamento vital em papel, registar tudo em notário (pagando as despesas) e, em caso de necessidade, apresentá-lo nos serviços de saúde.

Agora, o documento continua a ter de ser feito em papel mas há formulários disponíveis nos "sites" das Administrações Regionais de Saúde, no Portal do Utente e no Portal da Saúde. Basta preencher, fazer eventuais correcções e entregar o testamento vital nos devidos sítios. Com a criação do Registo Nacional do Testamento Vital, a informação permanece sempre actualizada e é disponibilizada aos médicos de todo o país através de um local apropriado que devem consultar sempre "online".

Quais são os limites do testamento vital?
Não pode ser contrário à lei, à ordem pública ou determinar uma actuação contrária às boas práticas. E o seu cumprimento não pode provocar deliberadamente a morte não natural e evitável.

O testamento vital pode não ser respeitado?
Sim, pode. A lei prevê algumas situações em que isso pode ocorrer: quando se comprove que o doente não desejaria manter a directivas ou se verifique evidente desactualização da vontade manifesta no testamento face ao progresso dos meios terapêuticos, entretanto verificado. Também não deve ser respeitado quando as circunstâncias não sejam aquelas que o outorgante previu no momento da sua assinatura.

Também em caso de urgência ou de perigo imediato para a vida do paciente, a equipa responsável pela prestação de cuidados de saúde não tem o dever de ter em consideração as directivas antecipadas de vontade, no caso de o acesso às mesmas poder implicar uma demora que agrave, previsivelmente, os riscos para a vida ou a saúde do outorgante.

Por quanto tempo é válido um testamento vital?
Por um prazo de cinco anos a contar da sua assinatura. Esse prazo é renovável mediante uma declaração de confirmação.

É possível alterar o testamento?
Sim. O testamento pode ser modificado ou mesmo revogado, em todo ou em parte, a qualquer momento. Sempre que seja feita uma modificação, é renovado o prazo de validade.

O que é o procurador de cuidados de saúde?
É uma pessoa que pode representar outra quando esta estiver incapaz de expressar a sua vontade própria. Qualquer pessoa pode nomear um procurador de cuidados de saúde, atribuindo-lhe poderes representativos para decidir sobre os cuidados de saúde a receber ou não quando se encontrar incapaz de expressar a sua vontade pessoal e autonomamente.

E qualquer pessoa pode ser procurador de cuidados de saúde?
Não. Não podem ser procuradores os funcionários de registo e de cartório notarial que intervenham em actos regulados por esta lei e os proprietários e os gestores de entidades que administram ou prestam cuidados de saúde, a não ser que sejam familiares do outorgante. O procurador tem de ser maior de idade e não pode estar interdito ou inabilitado por anomalia psíquica.

Uma pessoa pode fazer testamento vital e ter ao mesmo tempo procurador?
Sim, pode. Em caso de conflito entre as disposições formuladas no testamento vital e a vontade do procurador de cuidados de saúde, prevalece a vontade do outorgante expressa naquele documento.

Estes documentos (testamento e procuração) podem ser públicos?
Não. Todos os que, no exercício das suas funções (médicos, funcionários dos registos, entre outros), tomem conhecimento dos dados neles constantes ficam obrigados a observar sigilo profissional, mesmo após o termo das respectivas funções.

Qual é a posição da Igreja perante o testamento vital?
A Igreja vê o testamento vital como uma disposição legítima, que respeita a visão cristã da pessoa humana.