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"O cancro dá-nos a noção de que não podemos viver uns sem os outros"

04 fev, 2014 • Marta Grosso

É um desabafo improvável de uma ex-doente de cancro: "Se hoje tivesse de passar por tudo outra vez para ser o que sou, passava sem pestanejar". Hoje é dia mundial da luta contra o cancro.

"O cancro dá-nos a noção de que não podemos viver uns sem os outros"
A notícia chega e dilacera. Marine Antunes tinha 13 anos quando lhe foi diagnosticado um linfoma não-Hodgkin. "A doença dá-nos a noção de efemeridade. Todos nós esquecemos que podemos morrer."

Depois de uma "noite terrível" no Hospital Universitário de Coimbra, decidiu mudar de atitude. "A minha médica disse-me uma coisa que nunca esqueci: 50% fazemos nós, 50% fazes tu. Agarrei-me a essa responsabilidade. Pus-me nas mãos dos médicos, mas também nas minhas." 

No regresso a casa, e depois à escola, Marine não foi tratada como uma doente. "A minha mãe sabia perfeitamente quando eu não queria ir à escola por falta de vontade ou por estar mesmo frágil. Mas ia à mesma, porque não havia volta a dar."

No primeiro dia em que foi para as aulas depois de o cabelo ter caído, sentiu-se acarinhada. "Estava nervosa. Bati à porta, mas eles nem me deixaram entrar: abriram a porta, saltaram para cima de mim a dar-me beijos na careca, a dizer que gostavam muito de mim."

Agora com 23 anos, Marine Antunes venceu o cancro. Não parou: tirou comunicação social e concluiu um curso de stand-up comedy. "Decidi fundar uma associação, a Cancro com Humor, onde faço actividades com doentes oncológicos. Comecei a dar palestras pela associação e em nome próprio, trabalho num projecto como criativa, lancei agora o meu primeiro livro, sou letrista e vou trabalhando nesta área da escrita e da comunicação. Faço o que gosto."

Mas um doente de cancro nunca tem alta. "Ter cancro implica sempre estar em risco. Tenho consultas de rotina, nunca tive nem vou ter alta. Todos os anos apanho uns sustos, mas a minha vida é óptima porque faço o que gosto", diz.

"O cancro dá-nos a noção de que não podemos viver uns sem os outros. Eu sou muito orgulhosa e o cancro ajudou-me nesse sentido, de mostrar franqueza. Se hoje tivesse de passar por tudo outra vez para ser o que sou, passava sem pestanejar." 

"À minha maneira" 
Sara Henriques tinha 36 anos e duas filhas pequenas quando lhe disseram que tinha cancro na mama. Ficou "descontrolada" e pensou que iria morrer.

Decidiu fazer a mastectomia total e inspirou-se no filme "A Vida é Bela" para seguir a vida com a maior normalidade possível. "Não quis seguir o que o comum dos mortais faz. Decidi levar [o processo] à minha maneira e viver dias felizes, aproveitar", recorda. 

"Enfrentar a morte e pensar que vamos morrer faz-nos despertar." Sara nunca se viu ao espelho. Diz que uma pessoa não precisa de se massacrar. Continuou a cuidar de si e com frequência surpreendeu amigos e conhecidos a dançar em festas. Quando fez radioterapia, no Verão, não deixou de ir de férias para a praia, como sempre costumava fazer. Arranjou estratégias.

Aos 39 anos, considera-se uma pessoa melhor e passa a sua experiência a todas as mulheres que lhe pedem ajuda. A sua boa aparência dá esperança a quem foi agora confrontado com a doença.

É preciso passar pelo choque inicial para se renascer. "A vida não é um dado adquirido. As coisas boas não são um dado adquirido. Agora, sou uma pessoa muito mais feliz."