Dia de Pi

Nem tudo é certo na matemática. É dia de celebrar o Pi

14 mar, 2013 • André Rodrigues

Há uma espécie de "transcendência" no Pi: para os leigos é reduzido a 3,14, mas, na verdade, conhece um número inesgotável de casas decimais.

Nem tudo é certo na matemática. É dia de celebrar o Pi

A existência de um dia no calendário para a constante matemática originada pela relação entre as grandezas do perímetro de uma circunferência e o seu diâmetro pode fazer-nos pensar que para tudo no mundo se consagra uma data específica. Mas o Dia de Pi tem pouco de aleatório. A distribuição dos algarismos desmonta eventuais dúvidas: em regra, a grafia norte-americana das datas segue a ordem mês/dia, ou seja, 14 de Março é 3/14. Por outro lado, Pi arredondado à sétima casa decimal, é 3,1415926.

14 de Março à 1:59:26. Foi precisamente a esta hora, mas há exactamente 25 anos que pela primeira vez se comemorou o Dia de Pi, no Exploratorium de São Francisco.

Às ordens de Larry Shaw, cognominado "Príncipe do Pi", público e funcionários marcharam em torno de um dos espaços circulares do museu e comemoraram comendo tortas de frutas. A que propósito? O fenómeno gramatical da homofonia explica. Em inglês, Pi e torta (pie) pronunciam-se da mesma forma. E as tortas também são redondas.

A ideia de Shaw foi nada mais, nada menos do que uma homenagem ao "irracional mais famoso da História", começa por dizer Jorge Buescu, professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

Como é convicção da generalidade dos matemáticos, Buescu defende há uma espécie de "transcendência" neste Pi, que para a generalidade dos leigos é reduzido a 3,14 mas que, na verdade, conhece um número inesgotável de casas decimais.

"Conhece-se-lhe milhões de algarismos à direita da vírgula, mas aquilo continua para sempre, os algarismos nunca se repetem e nunca mais acabam". Um recorde que nenhuma edição do livro do Guinness alguma vez conseguirá fixar.

Pi é o mais fiel exemplo de que no universo dos números tudo é infinito e que na matemática nem tudo é exacto e pode até suscitar dúvidas.

Uma invenção ou uma descoberta?

Pi foi descoberto ou simplesmente inventado? "É a pergunta de um milhão de dólares", responde Jorge Buescu.

Carlos Fiolhais, físico da Universidade de Coimbra, é da opinião de que a constante foi descoberta. E argumenta: "se recuarmos à Antiguidade, desde o tempo dos egípcios e dos babilónios que se fazem cálculos para determinar o valor de Pi… começámos por ter aproximações grosseiras, mas, à medida que a matemática e a tecnologia foram avançando, conseguimos chegar ao valor que hoje conhecemos", que é o mesmo, independentemente do tamanho da circunferência medida. "Pi está tão presente na medição do anel solar como numa moeda ou numa bola de futebol", diz.

E está, acima de tudo, presente nos mais variados domínios do nosso quotidiano. Jorge Buescu defende mesmo que "tudo o que se possa saber está escondido em Pi, desde que se saiba interpretar", algo que decorre de uma evidência praticamente provada de que Pi é um número normal, ou seja um número real cujos algarismos são aleatoriamente distribuídos no desenvolvimento decimal.

Por exemplo, "se fizermos corresponder cada número à direita da vírgula a uma letra, seguramente qualquer livro que tenha sido escrito vai estar algures na expansão decimal de Pi… e qualquer livro que venha a ser escrito está nessa correspondência. É quase assustador pensar nestes termos", reconhece o matemático.

Jorge Buescu sublinha, por outro lado, a imutabilidade do rigor matemático da constante. "Os objectos são definidos, mas, a partir do momento em que é estabelecido, o que eles devem ser, ganham vida própria. Pi é o que é na Terra, em Marte ou numa qualquer galáxia a vários anos-luz da nossa".

E se nenhuma outra utilidade existe em ir descobrindo mais e mais casas decimais – segundo o último cálculo computacional, são já mais de 10 mil milhões – "ao menos que sirva para desafiar a resiliência dos supercomputadores na busca de novos recordes e para estimular o engenho dos homens", conclui Carlos Fiolhais.

O Dia de Pi foi oficialmente reconhecido pelo Congresso norte-americano em 2009. Além do 14 de Março, há combinações no calendário que permitem aproximar o valor da constante. As mais óbvias são 22 de Julho (22 a dividir por 7 é igual a 3,1428571) e 10 de Novembro, porque é o 314.º dia do ano.