Pode um escritor imaginar outro escritor e escrever um livro real sobre um livro imaginário? A pergunta tem resposta no novo livro de Manuel Jorge Marmelo. “Uma mentira mil vezes repetida” conta a história de um narrador sem nome que passa os dias a divagar pelos transportes públicos do Porto com um livro debaixo do braço.
“Cidade Conquistada” é uma obra inventada, escrita por Oscar Schidinski, um autor imaginado pelo narrador. Com mais de mil páginas e mil capítulos, “Cidade Conquistada” é o livro dentro do livro de Manuel Jorge Marmelo.
Em entrevista ao Página 1, o autor, também jornalista do jornal “Público” explica que o protagonista de “Uma mentira mil vezes repetida” é afinal um homem só. “É uma pessoa, como boa parte das pessoas que andam por aí está desejosa de atenção e celebridade. Ele decide que uma possível maneira de se tornar célebre é circular com um livro inventado e ir inventando as histórias”, diz Marmelo.
As histórias imaginadas pelo narrador apresentam-nos um desfile de personagens insólitas. Numa escrita bem-humorada, Manuel Jorge Marmelo recria a história do homem zebra ou conta as aventuras do escritor Marcos Sacatepequez. Todas elas cabem dentro de “Cidade Conquistada”, um livro que muda todos os dias.
Esta “obra-prima” de um escritor húngaro amaldiçoado, explica Manuel Jorge Marmelo, “é publicada pouco antes de o eclodir da segunda Guerra Mundial. Os livros desaparecem quase todos, excepto um exemplar que vai ser recuperado numa biblioteca de uma universidade suíça. É editado supostamente em Inglaterra nos anos 70 e em Portugal uns anos depois por uma editora operária”.
Ao autor de livros como “O homem que julgou morrer de amor” ou “”As mulheres deviam vir com livro de instruções” interessou-lhe também neste “Uma mentira mil vezes repetida” reflectir sobre o mundo editorial. Marmelo tem a sua obra publicada em duas editoras que foram à falência. O assunto surge em “Uma mentira mil vezes repetida”. “É uma forma de tentar expurgar esse fantasma” admite Marmelo.
Para o autor que assume que se questiona “se esta coisa de escrever livros vale a pena”, “Uma mentira mil vezes repetida” é também um fechar de ciclo. “É o quarto livro de uma tetralogia que começou com “Os fantasmas de Pessoa”, depois teve “Onde o vento me levar” e há três anos “As sereias do Mindelo” . Todos eles são livros sobre livros, onde eu pensei a minha relação com a literatura”.
Manuel Jorge Marmelo muda assim de página e de temas. Em declarações ao Página 1, sentado na livraria Bertrand entre livros, explica que “o próximo livro que já está pronto e que há-de sair no início do próximo ano é completamente diferente e é um passo em frente. O que se vai manter é o tema da intolerância” também aflorado em "Uma mentira mil vezes repetida", que hoje chega às livrarias pela mão da editora Quetzal.
Jornalista do “Público”, Manuel Jorge Marmelo refugia-se na escrita dos livros. Nesta entrevista, que pode ouvir no "Ensaio Geral", da Renascença, depois das 23h00, diz que “Eu vou nadar ao jornalismo, mas ao fim do dia regresso à literatura no recato do meu lar”.