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Ensino artístico. “Dei bens meus de garantia bancária” para arranjar dinheiro

30 abr, 2015 • Isabel Pacheco e Liliana Carona

Professores manifestam-se esta quinta-feira em Lisboa contra a asfixia financeira. Em causa está um modelo de financiamento assente em verbas comunitárias que, além de mau, “vive atrasado”.

Ensino artístico. “Dei bens meus de garantia bancária” para arranjar dinheiro
Foto: António Cotrim/Lusa
No Conservatório de Barcelos desencantam-se estratégias para tentar aliviar a tesouraria que, tal como em muitas outras escolas de ensino artístico especializado, está em “completa asfixia”.

O director da instituição, Miguel Miranda de Andrade, admite à Renascença que, se não fosse a recurso a crédito bancário, não conseguiria prevenir-se este ano. “Dei bens pessoais como garantia bancária para poder arranjar tesouraria para colmatar este período”.

O professor de piano José Vilas Boas é um dos 40 docentes afectados pela falta de dinheiro. “Tudo tem um limite e este ano está a ser muito difícil. É um dos anos mais difíceis até agora”.

Para conseguir dar as suas aulas o melhor possível, José Vilas Boas usa um truque: os problemas ficam do lado de fora. Na sala de aula, entra apenas a música. “É mais fácil se trabalharmos a pensar na música e não nos problemas”.

Em causa está um modelo de financiamento assente em verbas comunitárias do Programa Operacional de Potencial Humano (POPH) e do Estado que, além de mau, “vive atrasado”, critica o director do Conservatório.

“Deram o primeiro adiantamento, que é atrasamento, em 30 Janeiro. Portanto, a aplicabilidade deste modelo, que já por si é mau, é terrível”, contesta.

Em seu entender, os atrasos nos pagamentos podem ditar o fim do ensino artístico especializado no país, onde existe uma desresponsabilização total do Governo.

“Não nos podemos esquecer que o tango não se pode dançar a três: com o Governo o POPH e connosco. Só se pode dançar a dois. É difícil. O Estado tem que assumir esta responsabilidade ou demitir se dela”, afirma ainda.

“Quando não há pressão, há desleixo”
Esta quinta-feira, manifestam-se em Lisboa as escolas do ensino artístico que vivem em dificuldades financeiras. O Ministério da Educação garante que as verbas comunitárias já foram transferidas, mas os professores mantêm o protesto, devido aos transtornos causados por sucessivos atrasos.

O director pedagógico do Conservatório de Seia, António Tilly, é um viajou dos participantes. “Quando não há ‘pressing’, há sempre desleixo”, justifica. “O que já sabemos é que o Estado falha, infelizmente. Não sabemos se verba foi ou não desbloqueada, mas sabemos que não chegou às escolas a tempo e horas”, explica.

O atraso no pagamento das verbas comunitárias põe em causa o pagamento do salario de 29 docentes do Conservatório. António Tilly diz que chegaram ao limite.

“Tem sido complicado e, se não houver reembolso rápido, já não conseguimos pagar os salários do mês que vem. E estamos neste momento com alguma liquidez, porque temos contas precaucionadas e podemos pedir, a juros comportáveis, dinheiro para poder pagar. Se aguentarmos mais 20 dias, não haverá”, afirma.

O Conservatório de Seia foi criado em 1997 tem todos os cursos de instrumentos e, apesar das recentes dificuldades, é um exemplo de sucesso na região.