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Diálogo com tradicionalistas

“O Papa quer a reconciliação, é esse o seu trabalho”

02 jul, 2012

Arcebispo Di Noia, recém-nomeado vice-presidente da Comissão Ecclesia Dei, diz que os tradicionalistas têm muito a dar à Igreja, basta que aceitem ler os documentos conciliares à luz da tradição e continuidade.

“O Papa quer a reconciliação, é esse o seu trabalho”
O processo de reconciliação com os tradicionalistas da Sociedade de São Pio X (SSPX) tem o total apoio do Papa. Quem o diz é o arcebispo Di Noia, recém-nomeado vice-presidente da Comissão Ecclesia Dei, que lida precisamente com os vários grupos de tendência tradicionalistas dentro e fora da Igreja Católica.

Para além de um interesse pessoal neste processo, o desejo de unidade faz parte do próprio ministério de Pedro, explica: “O Papa quer a reconciliação, é esse o seu trabalho. O ministério de Pedro é sobretudo o de preservar a unidade da Igreja”.

A SSPX foi fundada em reacção às mudanças operadas na Igreja depois do Concílio Vaticano II, pelo Arcebispo Marcel Lefebvre. Em 1988, quando ordenou quatro bispos sem autorização de Roma, Lefebvre e os novos bispos foram excomungados e a sociedade passou a estar em ruptura com Roma.

Ao longo dos últimos anos tem havido conversações entre Roma e os tradicionalistas, liderados agora pelo bispo Bernard Fellay, no sentido de haver uma reintegração plena, tudo parecia estar bem encaminhado, mas em Junho surgiu um novo obstáculo que parece ter posto em causa uma resolução final. Os detalhes não são claros, mas os tradicionalistas alegam que lhes foram feitas exigências que tornaram impossível a sua aceitação.

Poucos dias depois, Di Noia foi nomeado, precisamente para ajudar a facilitar este diálogo e ainda salvar o processo. O arcebispo acredita que uma reunificação é perfeitamente possível, bastando que a SSPX aceite ler os documentos do concílio à luz da tradição da Igreja, e não como uma ruptura com esta.

“Tenho argumentado que tudo o que eles têm de fazer é afirmar que não há nada no Concílio que seja contrário à Tradição, e que todos os textos, tudo o que é controverso, deve ser lido à luz da Tradição. Parece-me que, apesar das dificuldades, devem poder fazer isso”, afirma o arcebispo, em entrevista à National Catholic Register.

O arcebispo enfatiza ainda que é natural existirem disputas teológicas, mas que estas não devem ser impeditivas de comunhão, dando como exemplo as graves disputas e acusações entre os dominicanos e os jesuítas, no século XVI.

Di Noia acredita que a Igreja tem muito a ganhar com a reintegração dos tradicionalistas: “Os tradicionalistas que estão agora em comunhão com a Igreja, como por exemplo a Fraternidade Sacerdotal de São Pedro, trouxeram aquilo em que o Papa insistiu: na solenidade com que celebram a liturgia, sobretudo na área da liturgia, são um testemunho da vivacidade continuada da tradição litúrgica anterior ao Concílio”.

O novo vice-presidente da Ecclesia Dei (o presidente é o mesmo da Congregação para a Doutrina da Fé, da qual a Ecclesia Dei depende directamente), mostra compreender algumas das queixas dos críticos do Concílio, mas insiste que essas críticas se devem dirigir mais à interpretação e aplicação erradas do Concílio do que ao Concílio em si, e elenca uma série de teólogos que considera que contribuíram para esse estado, incluindo figuras importantes como Karl Rahner, Yves Congar e Henri-Marie de Lubac.

“Hoje pode-se criticar De Lubac, Congar e Chenu. E muitos jovens estão a escrever dissertações e livros que seriam impossíveis antes. Diria que a leitura dominante progressista do Concílio está em retirada. Nunca esteve em retirada até agora”, afirma, atribuindo esta realidade ao conhecido discurso feito por Bento XVI à Cúria Romana em 2005, quando afirmou que o Concílio tem de ser lido à luz de uma “hermenêutica de continuidade” e não de “ruptura”.