Emissão Renascença | Ouvir Online

Erdogan explora Islão como arma política para consolidar poder na Turquia

02 jun, 2015

O actual presidente quer que o seu partido consiga uma maioria suficientemente forte nas legislativas para poder alterar a constituição, dando mais poder ao chefe de Estado.

Erdogan explora Islão como arma política para consolidar poder na Turquia
A menos de uma semana das eleições legislativas, a campanha na Turquia tem assumido contornos de guerra religiosa, com o partido islâmico AK a tentar ganhar os votos dos muçulmanos.

No centro da campanha está o actual Presidente Recep Tayyip Erdogan. Apesar de estar proibido de participar em acções partidárias pela Constituição, por ser chefe de Estado, Erdogan tem participado em várias acções de campanha, atacando os membros de outros partidos como sendo pouco islâmicos e invocando o Islão como centro da identidade turca.

Um dos discursos mais recentes teve lugar na noite de sábado, dia 30 de Maio, uma data simbólica, uma vez que assinala a conquista de Constantinopla por parte dos otomanos em 1453. Na altura a cidade era capital do Império Romano do Oriente e um dos mais importantes centros da cristandade, tendo como jóia arquitectónica a Santa Sofia, que era a maior igreja cristã do mundo. A cidade passou então a ser designada pelo seu nome turco, Istambul.

“Não cederemos aos que querem extinguir o fogo de conquista que arde no coração de Istambul há 562 anos”, clamou Erdogan, perante uma multidão de apoiantes a agitar bandeiras turcas, segundo a agência Reuters.

O Império Otomano foi durante séculos a potência do mundo islâmico, dominando todo o Médio Oriente e grande parte da Europa oriental. O Império foi abolido no final da Primeira Guerra Mundial e o poder assumido por Kemal Ataturk, que introduziu uma série de medidas para ocidentalizar a Turquia, incluindo a adopção do alfabeto latino, de vestuário ao estilo ocidental e a secularização do Estado e da sociedade.

Até recentemente o país foi governado essencialmente por seguidores de Ataturk. A devoção religiosa era desencorajada e os funcionários públicos e estudantes de universidades públicas proibidos de utilizar roupas religiosas, como véus islâmicos, por exemplo.

Grande parte do apoio de Erdogan e do seu partido deriva precisamente de turcos devotos que se sentiam cidadãos de segunda no regime secularista. “Eles bebem os seus whiskies junto ao Bósforo, e desprezam o resto da população”, disse o presidente recentemente, numa alusão à elite secularista.

Conquistar eleitores entre os muçulmanos curdos mais devotos
A julgar pelos resultados eleitorais do AK nos últimos anos, o discurso tem adeptos. “Eu não me importo se Erdogan usa o Islão como instrumento de propaganda política. Gosto que ele fale disso. Estes são os nossos valores, não os devemos esquecer”, diz à Reuters Ahmet Sahin, um jovem contabilista de 26 anos, enquanto ouve os discursos eleitorais.

Depois de duas décadas no centro da vida política turca, primeiro como presidente da Câmara de Istambul, depois como Primeiro-ministro e agora como Presidente, Erdogan quer aumentar os poderes do chefe de Estado mas, para isso, precisa que o AK consiga uma maioria suficientemente grande para poder mudar a Constituição. As sondagens mostram que isso será difícil e que parte do problema poderá ser a ascensão do maior partido pró-curdo.

Numa tentativa de última hora de conseguir conquistar eleitores entre os muçulmanos curdos mais devotos, Erdogan tem insistido em questionar as credenciais islâmicas dos líderes do HDP, acusando-os de serem seguidores de religiões pré-islâmicas, de terem insultado um dos locais mais sagrados da religião muçulmana e de comerem carne de porco. Recentemente o presidente discursou com um exemplar do Alcorão em curdo nas mãos.

Com o clima a favorecer a retórica religiosa, tem havido mesmo alguns momentos bizarros. Num vídeo comemorativo da conquista de Constantinopla, o AK divulgou um vídeo que culminava com o chamamento para a oração a soar dos minaretes da Santa Sofia, que depois da invasão se tornou uma mesquita mas que Ataturk transformou em museu em 1934.

Noutra tentativa de captar as simpatias dos muçulmanos devotos, Erdogan defendeu a existência do Directório dos Assuntos Religiosos, um departamento do Estado que regula a actividade religiosa no país, dizendo mesmo que o seu líder devia ter o mesmo estatuto que outros chefes religiosos, como o Papa, e concedendo-lhe por isso um jacto privado e um carro blindado.

Questionado pela imprensa turca, o gabinete de imprensa da Santa Sé negou que o Papa tenha um jacto privado mas foi o líder do maior partido da oposição, o secularista CHP, que comentou: “Já foram tão longe ao explorar a religião na política. Porque é que não usam a vida do nosso profeta como exemplo, em vez de apontar para o Papa?”