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“Somos a voz dos ortodoxos na Igreja Católica”, diz Patriarca melquita

31 out, 2014 • Filipe d’Avillez

Gregório III revela que as Igrejas orientais querem mais autonomia, explica porque é que recusa ser feito cardeal e anuncia que o Vaticano já deu luz verde para ordenarem homens casados fora dos seus territórios.  

“Somos a voz dos ortodoxos na Igreja Católica”, diz Patriarca melquita
Cristaos na Siria
Gregório III Laham é um dos mais influentes patriarcas do catolicismo oriental e um dos mais zelosos defensores das tradições orientais dentro da Igreja Católica.

Os católicos de rito oriental, como os da Igreja Melquita - a que este Patriarca preside - têm as suas próprias tradições, teologia e liturgia, em geral muito semelhantes às ortodoxas, mas encontram-se em comunhão com Roma e com o Papa.

“O respeito pela tradição das Igrejas orientais é a nossa missão. Nós somos a voz dos ortodoxos dentro da Igreja Católica, somos a voz do ausente. Quando alguma coisa diz respeito à ortodoxia nós estamos lá, damos a perspectiva dos ortodoxos e das igrejas orientais, é um serviço importante que fornecemos”, explica Gregório, que foi eleito no ano 2000 e lidera cerca de 1,6 milhões de melquitas, espalhados por todo o mundo, mas sobretudo no Médio Oriente, embora a instabilidade da última década tenha levado muitos a abandonar a região.

Para sublinhar a importância ecuménica da sua igreja, Gregório dá um exemplo do seu antecessor que há 50 anos se encontrou com o Patriarca ortodoxo de Constantinopla. “Máximo V disse a Atenágoras que sempre que falava [em eventos da Igreja Católica] estava a pensar nele. E Atenágoras respondeu: ‘Falas em meu nome’”.

Embora alguns patriarcas e líderes de Igrejas orientais sejam cardeais, os patriarcas melquitas tradicionalmente recusam esta honra, precisamente por considerarem que é uma particularidade do Cristianismo ocidental. “Para o meu antecessor e para mim nunca foi uma questão. É uma coisa romana, não oriental. Em termos jurisdicionais nós estamos acima de cardeal. Costumo dizer, na brincadeira, que enquanto Patriarca eu estou entre um Arcebispo grande e um Papa pequeno. Salvo algum problema, posso governar a minha Igreja sem qualquer referência a Roma.”

Amizade mais forte que o direito canónico
Uma das tradições particulares que muitas igrejas católicas orientais mantêm é a ordenação de homens casados ao sacerdócio. Mas uma regra antiga impede oficialmente esta prática fora dos seus territórios ancestrais, o que significa que uma comunidade melquita a viver nos Estados Unidos ou na Europa não devia ordenar homens casados.

Quando decorreu o sínodo especial para o Médio Oriente, em 2010, os bispos reunidos pediram a Roma o fim desta proibição, bem como o alargamento da autoridade dos Patriarcas, para abranger directamente as comunidades na diáspora. Tanto uma proposta como a outra foram ignoradas na exortação apostólica pós-sinodal divulgada por Bento XVI na sua visita ao Líbano em 2012.

A eleição do Papa Francisco, porém, parece estar a abrir novas perspectivas. “Em Novembro de 2013 tivemos um encontro de quatro horas com o Papa. Todos os Patriarcas e líderes de igrejas orientais, e falámos destes problemas. Um dos resultados é que hoje podemos ordenar homens casados na América. Na Europa demora mais tempo, porque temos comunidades mais pequenas, mas também é possível. É oficial, embora tenhamos indicações para sermos discretos, de avançar devagar.”

Em relação à autoridade sobre as comunidades na diáspora, a chave está nas boas relações com os bispos latinos locais. “Temos de nos organizar. Conseguimos muito mais com boas relações do que com o direito canónico e as regras. A verdade é que temos melhores relações com os cardeais e bispos fora da cúria. A cúria romana é muito legalista. É diferente”, diz, rindo-se, “os latinos em Roma são uma coisa, e os latinos fora de Roma são outra”.

O Patriarca Gregório III está em Portugal para falar da situação dos cristãos no Iraque e na Síria, a convite da fundação Ajuda à Igreja que Sofre, uma organização católica que ajuda as comunidades e as igrejas locais em maiores dificuldades.