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Problema da Nigéria “não é religioso”

30 jun, 2014 • Ângela Roque

Em entrevista à Renascença, Simon Ayogu conta como, a cada atentado, receia pela vida dos familiares e fala da sua experiência por cá, onde é responsável pela Pastoral Africana no Patriarcado de Lisboa.

Problema da Nigéria “não é religioso”
As notícias de tragédias, assassinatos, atentados, raptos e mortes na Nigéria são já diárias. Tudo por culpa do grupo islamita Boko Haram, que luta pelo estabelecimento da lei islâmica no país.

Mas Simon Ayogu, missionário espiritano e natural do sul da Nigéria, garante que a religião só está a servir de desculpa para justificar a violência no seu país. “É muito fácil usar a religião, dizer que quem está a lutar são cristãos e muçulmanos, porque quando alguém do Norte mata alguém do Sul, normalmente é um muçulmano que matou um cristão”, mas o que verdadeiramente existe é “uma luta entre partidos, porque daqui a um ano vamos ter eleições presidenciais”. Daí, conclui, a actual escalada de atentados e sequestros.

Esta “luta pelo poder”, explica ainda, está a ser incendiada pelos radicais islâmicos do Boko Haram, que “só sabem fazer-se ouvir pela violência”. “Eles querem conquistar o poder a todo o custo, impor a lei islâmica a todo o país, foi o que sempre quiseram”, diz o padre Simon, sublinhando sempre que eles “são radicais” que não devem ser confundidos com os verdadeiros muçulmanos, porque “um bom muçulmano sabe que o profeta Maomé não mandou matar o outro só por ser cristão”.

Porém, esses assassinatos acontecem, demasiadas vezes, diz. Por isso, o sacerdote conclui que “ser cristão hoje na Nigéria é um dom, poder viver a nossa vida cristã com esta dimensão de martírio”.

O padre Simon explica ainda que as raízes do actual conflito remontam à unificação do país, que foi feita a régua e esquadro pela Grã-Bretanha há precisamente 100 anos. Uniu-se o Norte, muçulmano, como Sul, cristão, sem ter em conta que as duas regiões tinham desde há seculos culturas e tradições muito diferentes. “Quando o poder britânico juntou os dois, fizeram tudo menos aproximar os povos. É por isso que estamos até hoje com estas divergências. Culturalmente, geograficamente, não temos nada em comum, é um país que tem mais de 500 línguas e 500 tribos”.

Contudo, para o padre Simon Ayogu, voltar a separar o país não traria benefícios. A solução terá de passar por investir mais na educação do povo, aproveitando o exemplo do Sul cristão, onde as escolas criadas pela Igreja Católica são uma das riquezas do país: “Se conseguirmos aproximar o nível de educação do Sul ao Norte, vamos ter uma redução drástica do problema. Eu sou espiritano, e quem levou a fé cristã à minha terra foram os espiritanos. É uma coisa que nos marca e as raízes da educação ficaram bem profundas graças à Igreja Católica. E é isto que faz falta ao Norte, fazer as pessoas do Norte apreciar o bem da educação, para nos podermos sentar à mesma mesa e falar a mesma linguagem. Para mim o caminho é o caminho da educação”. 

O nome Boko Haram significa na língua local: a educação ocidental é proibida.

“Quem esquece as raízes não tem futuro”
A viver em Portugal há sete anos, o padre Simon diz que não é fácil estar longe da família e temer, sempre, pela sua segurança. Sofre-se mais à distância. Ainda há poucos dias receou o pior com o atentado em Abuja: “Eu tinha acabado de celebrar missa e vi no telemóvel uma mensagem. Eu tenho o meu irmão em Abuja muito perto do local onde aconteceu, foram metros de distância. Não lhe passa pela cabeça o que eu sinto cada vez que acontece perto da zona onde vive a minha família. O meu coração quase parou de bater enquanto não falei com o meu irmão para saber se estava tudo bem”.

E estava, o irmão não foi atingido. Diariamente, há famílias que não têm a mesma sorte.

O padre Simon colabora na paróquia de Tires e é responsável pela Pastoral Africana no Patriarcado de Lisboa, acompanhando as comunidades católicas africanas da diocese. “É um trabalho que me enche de alegria, ter o privilégio de estar à frente do meu povo, por assim dizer, e poder guiá-lo pelo caminho da salvação”.

Não sendo possível ir a todas as paróquias onde há comunidades africanas, encontram-se na igreja do Campo Grande todos os terceiros domingos de cada mês. Para além disso, tenta participar em todas as festas e cerimónias para as quais é convidado. Os funerais são um dos momentos mais importantes: “A nossa maneira de viver a morte é muito diferente da maneira europeia”.

Estas são tradições que os africanos fazem questão de manter. Uma delas é a de rezar o terço na casa de quem faleceu, com a família, logo na noite da morte. “É muito emocionante e envolve toda a família, deixam sempre uma vela acesa até haver o funeral”.

O padre Simon explica que a criação desta Pastoral Africana no Patriarcado foi muito importante para ajudar as comunidades católicas africanas a manterem as suas raízes: ”Digo-lhes sempre, quer estejas bem aqui, ou não, não podes esquecer as tuas raízes, porque quem esquece as suas raízes não tem futuro”.

A 2 de Agosto irão em peregrinação, de autocarro, a Fátima. A peregrinação do ano passado reuniu mais de cinco mil pessoas.

A entrevista ao padre Simon Ayogu foi transmitida este domingo no programa “Princípio e Fim” da Renascença.