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"A ONU é hoje uma fonte de ameaças aos direitos humanos"

10 dez, 2013 • Filipe d’Avillez

Austin Ruse, activista católico nas Nações Unidas, sublinha a importância da Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada há exactamente 65 anos, mas aponta o que considera ser um conjunto de "várias ameaças".

No aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada a 10 de Dezembro de 1948, a Renascença conversou com Austin Ruse, que se dedica, através da Catholic Family and Human Rights Institute (C-FAM), a monitorizar o trabalho e os documentos produzidos nas Nações Unidas. A C-FAM foi criada por inspiração de João Paulo II, quando desafiou os cidadãos a ir à Conferência do Cairo, em 1994. Os fundadores da C-FAM estiveram presentes no evento e, alguns anos mais tarde, decidiram abrir um escritório permanente. Enquanto organização católica, a C-FAM insere-se numa linha conservadora, bastante comum nos Estados Unidos, que encara a ONU com desconfiança. É um de vários grupos de "lobbying" que actuam directamente na sede da ONU, procurando influenciar os trabalhos e as conclusões. "O nosso trabalho passa principalmente por ajudar diplomatas da ONU a negociar documentos, a evitar que estes contenham linguagem nociva sobre a vida e a família e, também, dizer ao mundo o que verdadeiramente se passa na ONU", refere Ruse. Além de presidente da C-FAM, Austin Ruse é colunista de várias publicações católicas e conselheiro de membros do congresso e do senado americanos.


A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi uma iniciativa da ONU. Enquanto crítico da actuação ONU, qual é a sua opinião sobre a Declaração dos Direitos Humanos?
Diria que foi uma boa iniciativa. Foi fortemente influenciada por ideias católicas, é um documento universal a que todos podem aspirar. Por isso sim, penso que, bem vistas as coisas, foi e continua a ser um bom documento.

E como avalia o trabalho actual da ONU na salvaguarda dos direitos humanos?
Diria que as Nações Unidas, globalmente, são uma coisa negativa e penso que muitas das coisas que estão a fazer são uma ameaça aos verdadeiros direitos humanos. A ONU parece ter-se tornado uma fábrica de novos direitos que na verdade não existem. O direito ao casamento homossexual, por exemplo, o direito ao aborto. E quando se impingem estes direitos que não existem, minam-se os que são consensuais, como o direito à autodeterminação política e à liberdade religiosa. Há alguns anos, houve um esforço por parte dos governos da Alemanha e da França para elaborar um documento internacional que permitisse a clonagem. Esta questão foi derrotada e, de facto, emitiu-se um documento que pedia a proibição da clonagem em todo o mundo. Mas a maioria dos temas tem que ver com saúde reprodutiva e direitos reprodutivos, que servem para promover o aborto e as questões da orientação sexual e identidade de género, que é um tema quente hoje em dia. 

Que impactos reais é que estes documentos têm tido?
Há documentos, os tratados e as convenções, que são vinculativos. Em 2006, saiu um documento sobre pessoas portadoras de deficiência, que foi o primeiro tratado vinculativo a conter o termo 'saúde reprodutiva'. E a comissão que supervisiona esse tratado já redefiniu 'saúde reprodutiva' para incluir o direito ao aborto, pressionando os Estados signatários a mudar as suas leis. Quando a Espanha, sob Zapatero, liberalizou as leis do aborto, citou-se esse tratado nas justificações. Mas os documentos não-vinculativos também interessam, porque quando um termo aparece numa resolução não-vinculativa cem, mil ou dez mil vezes, contribui para a marcha de uma nova norma internacional. E os comentários destas comissões sobre saúde reprodutiva são usados pelos Governos. O Tratado da Comissão para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres não menciona a saúde reprodutiva, mas a comissão já fez uma leitura do tratado que inclui esse conceito e alguns governos alteraram as suas leis com base nesses comentários.

Como vê o comportamento de Portugal na ONU perante estas causas?
Portugal nunca se manifestou, o que significa que é um adversário nesta luta. O que se passa é que os nossos opositores escrevem os documentos e nós temos de tentar desarmá-los. A única forma de tirar os termos nocivos destes documentos é falando, ou dando voz a uma coligação que fale. Não me lembro de uma única ocasião em que Portugal tenha falado.

E os países islâmicos? Que leitura faz das posições que têm adoptados nestas questões? 
Chegámos à conclusão que os muçulmanos são excelentes aliados em algumas destas questões. As suas posições sobre o aborto não são iguais às católicas, mas acham ofensivo que estes assuntos sejam promovidos através de instrumentos internacionais. Por isso sim, trabalhamos com países islâmicos e tem dado bons resultados. Tem sido uma boa experiência de aprendizagem, tanto para nós como para eles.

E esta colaboração ajuda os cristãos no mundo islâmico ou dificulta a defesa dos seus direitos?
A verdade é que os movimentos pró-vida e pró-família na ONU procuram não se envolver na questão da liberdade religiosa. É complicado estar a bater nos nossos aliados num dia e no outro estar a pedir ajuda. A nível governamental, a Santa Sé pode fazer essa pressão, e fá-lo, e há outras organizações na ONU que lutam pelos direitos dos cristãos que são perseguidos no mundo islâmico. Mas acreditamos mesmo que, quando fazemos este trabalho e nos tornamos amigos destas pessoas, estamos a ajudar indirectamente os nossos irmãos nos países islâmicos. Quando um diplomata islâmico chega a Nova Iorque pela primeira vez, apenas espera encontrar prostitutas e pornógrafos, porque essa é uma das faces que mostramos ao mundo. Por isso, quando encontra cristãos que rezam, e que rezam por ele, isso pode mudar-lhes a vida.