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Entrevista

Nuno Garoupa: "O PS não percebeu que o país mudou"

08 jul, 2015 • André Rodrigues

O presidente executivo da Fundação Francisco Manuel dos Santos diz que o PS "fez uma leitura errada do Portugal actual".

Nuno Garoupa: "O PS não percebeu que o país mudou"
No dia em que o Parlamento discute o Estado da Nação, o presidente executivo da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) defende que o maior partido da oposição não está a capitalizar o descontentamento por quatro anos de austeridade porque "fez uma leitura errada do Portugal actual".

A FFMS lançou esta quarta-feira o estudo "Três Décadas de Portugal Europeu", um retrato do país traçado desde a integração europeia.

Em entrevista à Renascença, Nuno Garoupa considera meritória a forma como a maioria ainda consegue convencer um vasto leque de eleitores de que a austeridade era um mal necessário. E a instabilidade na Grécia reforça esse convencimento.

Que balanço faz do ano político?
Penso que estamos num ano eleitoral como qualquer outro. O que há é uma evolução no sentido de cada partido apresentar as suas promessas eleitorais. Evidentemente que os eleitores também já estão habituados a que, em anos eleitorais, a visão dos partidos do governo seja extremamente positiva, ao contrário da dos partidos da oposição que é extremamente negativa. As sondagens revelam já que há uma margem de eleitores que, ao contrário de anos anteriores, não parecem muito crentes com as propostas apresentadas quer à direita, quer à esquerda. Daí a nossa percentagem de indecisos que é extremamente alta. No fundo, temos um empate técnico entre a coligação e o Partido Socialista.

Isso é um sinal de que as pessoas não estão suficientemente esclarecidas? Os partidos falharam nesse ponto?
Se olharmos para os números, vemos que há entre 600 e 800 mil votos, fundamentalmente urbanos, mais jovens, abaixo dos 50 anos, que não estão nem convencidos pela coligação - embora muitos possam até ter votado PSD ou CDS há quatro anos - mas também não se revêem nas propostas do Partido Socialista. Eu creio que esses votos são os que podem fazer a diferença daqui até às eleições.

E há mais mérito da coligação ou demérito do PS por não aproveitar o descontentamento da generalidade dos portugueses por quatro anos de austeridade?
Eu penso que o maior partido da oposição fez uma leitura errada do Portugal actual. O PS pensou que bastava fazer um conjunto de promessas e campanha semelhantes a 2005 - em que obteve maioria absoluta - para em 2015, com a mesma estratégia, alcançar o mesmo resultado. O PS não percebeu que o país mudou e que o conjunto de promessas que consistem em melhorias sociais e económicas, neste momento, não são convincentes para uma parte do eleitorado, dada a situação económica europeia em que estamos inseridos.

Para mim, a leitura correcta foi feita por António José Seguro na noite das eleições europeias: a direita teve uma derrota importante, mas o PS não tinha o resultado no patamar dos 40% precisamente porque havia uma dispersão de votos noutras forças políticas. Penso que o Partido Socialista não percebeu essa análise e continua a ter este problema: a coligação está entre os 33 e os 34% nas sondagens e ao PS faltam 6 a 7%, que estão dispersos noutras forças políticas.

Quanto à coligação, tem mérito na medida em que há um conjunto vasto do eleitorado que percebe que não há alternativa às políticas do governo. De resto, a própria situação grega nas últimas semanas tem vindo a confirmar esse convencimento dessa parte do eleitorado. Mas temos de ter sempre em conta que PSD e CDS, juntos nas últimas eleições tinham quase 51%.

Actualmente a melhor das sondagens dá-lhes 36%. Por isso estamos a falar da perda de pelo menos um terço do eleitorado da coligação. Não é de maneira nenhuma um resultado extremamente positivo ao contrário do que se pretende fazer crer.

Agora, é um resultado que lhes permite ganhar eleições. Mas, entre ganhar eleições e governar, há também uma grande diferença.

Mesmo sem sabermos de antemão a forma como vai evoluir a questão grega, admite que haverá um efeito de contágio sobre as próximas eleições em Portugal?
Penso que a situação grega vai, naturalmente, influir nas eleições portuguesas de uma forma bastante importante porque os partidos políticos já se convenceram dessa influência. E estão convencidos na mesma lógica: se correr bem aos gregos, isto ajuda o PS e as forças mais à esquerda. Se correr mal aos gregos, isto ajuda a coligação. Agora, do ponto de vista objectivo, o que me parece é que daqui até às eleições a situação grega vai se manter nesta saga interminável em que ambos os lados vão reclamar que o que está a acontecer é aquilo que eles pretendem que aconteça. Ou seja, o governo grego há-de apresentar o que venha a acontecer como uma grande vitória, mas a União Europeia também. Por isso não é clara e muito menos imparcial a análise que se venha a fazer desta situação.

É provável que daqui até às eleições os gregos tenham um terceiro resgate. Mas não é claro que um terceiro resgate venha a ser bom para os partidos à direita ou para os partidos à esquerda. Porque um terceiro resgate é assumir que os planos de austeridade falharam na Grécia, mas também é assumir que a Grécia governada pelo Syriza volta à estaca zero e volta a precisar de 50 mil milhões de euros com condições muito semelhantes aos dois programas de resgate anteriores.

Em dia de debate sobre o Estado da Nação, qual é o positivo e o negativo de Portugal em 2015?
O ponto mais positivo é a situação orçamental. Estamos muito melhor do que há quatro anos. O pior é a falta de reformas estruturais e o quadro social que resulta de um país mais pobre e com mais problemas sociais.

2015 tem sido também um ano dominado por processos judiciais envolvendo figuras publicamente relevantes, entre elas o ex-primeiro-ministro José Sócrates. Que sinal é que a justiça portuguesa dá à sociedade: está a funcionar melhor ou temos um país mais corrupto?
O país não está mais corrupto. O que aconteceu é que o país durante muitos anos, décadas até, não estava habituado a ter processos que envolvessem altos cargos do Estado em processos de corrupção. O que estamos a ver neste momento são vários processos que são consequência da falta de acção nos últimos 20 anos. Se a justiça está melhor ou pior, temos de avaliar pela conclusão dos processos.

Infelizmente, já tivemos outros de grande importância, envolvendo criminalidade económico-financeira ou até mesmo o processo de pedofilia da Casa Pia que depois terminaram de forma bastante incipiente, quando comparado com o início do processo. Por isso, diria que prognósticos só no final do jogo. Temos de ver como terminam estes processos para ver se há uma avaliação positiva ou negativa em matéria de justiça.