Entrevista

Marinho Pinto acusa António Costa de causar "tumulto no PS"

16 set, 2014 • José Pedro Frazão

Eurodeputado vai deixar Parlamento Europeu para concorrer às legislativas. Em entrevista à Renascença, diz ser "difícil entendimentos políticos" com alguém como António Costa, "que tem uma concepção instrumentalista própria da política".

Marinho Pinto acusa António Costa de causar "tumulto no PS"
Marinho Pinto acusa António Costa de provocar um “tumulto dentro do PS” e elogia António José Seguro. Diz que será difícil entender-se com alguém com a concepção que Costa tem da política.

Em entrevista à Renascença, o eurodeputado que vai fundar um novo partido e quer ir para a Assembleia da República admite a possibilidade de entendimentos com o PS, o PSD e até com o PCP. Já o CDS é um partido “populista” e “unipessoal”. 

Para Marinho Pinto, um salário de 4.800 euros, o que auferia como bastonário e um valor superior ao que é pago aos deputados, "não permite padrões de vida muito elevados em Lisboa".

Considera importante dialogar com os grandes partidos?
Sim, há um bloqueio na vida pública portuguesa. O PS não consegue fazer coligações. Hoje, os governos de coligação estão em maioria na Europa.

O seu projecto vai no sentido de formar uma alternativa de Governo junto a um grande partido?
O nosso projecto será para contribuir para a resolução dos grandes problemas nacionais. Nenhum projecto político sério pode ficar-se eternamente por ser oposição a tudo e a todos.

Admite coligar-se com o PS ou com o PSD?
O PS não pode fazer coligações. À sua esquerda tem a tal “muralha de aço”. Para a sua esquerda, o PS é igual à direita. À direita não há hipóteses de o PS fazer coligação. O PSD que tem pulsões sociais-democratas não consegue afirmá-las num programa de Governo porque, não tendo maioria absoluta para governar sozinho, fica capturado pelo CDS.

O senhor está ao centro?
Nós estamos disponíveis, não temos preconceitos para soluções democráticas para os problemas políticos do povo português e do país. Para nós, o PSD não tem a peste. Nem o PS. Nem o PCP.

E o CDS?
O CDS é um partido que precisa demonstrar mais qualquer coisa do que tem mostrado. É um partido muito instável, muito populista, muito sensacionalista, como nós dizemos nas empresas, unipessoal.

O seu partido não será unipessoal?
Seguramente que não. Na democracia não há partidos unipessoais.

O senhor disse um dia: "Pode acreditar-se num político como António Costa?". Se o PS escolher Costa, terá problemas em entender-se com ele?
Depende dele. Um candidato que na altura própria não concorreu contra o actual secretário-geral agora que viu que há possibilidade do PS ganhar as eleições provoca este tumulto dentro do partido?

É difícil um entendimento com ele, tendo em conta o que está a dizer?
É difícil entendimentos políticos com pessoas que têm da política esta concepção instrumentalista própria. Está a dar de barato que António Costa vai ganhar.

Não. Pergunto-lhe se não será então mais fácil fazer um acordo com Seguro?
Quando nos guiamos por princípios, as soluções não são difíceis de encontrar.

Seguro chama também muitas vezes a atenção para um país de Lisboa e um outro fora de Lisboa.
Isso é verdade. Estou de acordo com ele. Identifico-me perfeitamente com ele neste ponto. Eu sou da província, sei o que é isso. Não se lembra o que me fizeram na Ordem dos Advogados em que a aristocracia decadente da advocacia lisboeta queria destituir-me um mês depois de ter tomado posse.

Seria mais fácil fazer um entendimento com António José Seguro?
Fiz essa crítica ao António Costa porque eles estão a dar cabo do Partido Socialista.

O senhor não é militante do PS.
Está bem. Mas o PS é um património.

Poderia ser simpatizante?
Não, não sou. Nem pensar. Já votei PS, [mas] a maioria das vezes que votei foi no PCP ou nas coligações lideradas pelo PCP. O que vai acontecer ao PS depois [das primárias], quando forem todos para o palco com aqueles abraços hipócritas, entre inimigos que viram amigos no dia seguinte? Costa vai ser sempre confrontado: “Quem lhe chamou traidor foi o antigo líder do partido”. Se ganhar Seguro, dirão: “Quiseram demiti-lo por incompetência a meio do seu mandato”. O PS nunca mais vai voltar a ser o mesmo.

Quer falar com essas pessoas e com esses partidos?
Há uma coisa fundamental na democracia que é o respeito pelos mandatos democráticos.

O senhor está quase a suspender o seu mandato como eurodeputado.
Os mandatos podem ser suspensos de acordo com o que está previsto na lei. Eu não vou suspender. Vou pedir ao povo português que me substitua o mandato no Parlamento Europeu pelo mandato na Assembleia da República, onde venho ganhar menos de um terço do que ganho lá.

É por causa do salário que quer ir embora de Bruxelas?
Não. Naturalmente que não é por causa do salário, mas ele é significativo. Aquilo que um eurodeputado ganha para representar o povo português é uma ofensa. Ganhar 18 mil euros por mês e pagar imposto de 20% sobre cerca de um terço é uma ofensa para o povo português, que vive esmagado por impostos que lhe chegam a levar mais de metade dos rendimentos.

O senhor fala em 18 mil euros, mas um eurodeputado não ganha isso por mês. Ganha 6.200 euros líquidos e 4.299 euros para despesas gerais. Como é que esse dinheiro lhe caiu na conta?
Eu explico. Um eurodeputado ganha 8.700 euros por mês, com o desconto dos impostos fica em 6.200, 6 mil e tal. Depois tem 4.000 euros para despesas. Se fizer as despesas faz, se não fizer ficam na conta bancária. E depois tem 304 euros por cada dia que lá estiver. Se estiver lá de segunda a sexta, dá cinco dias. Ou seja, tem 1.500 e tal euros por semana. Faça as contas dos dias úteis que tem um mês.

Outros eurodeputados procuraram usar uma parte dessa verba para outras funções. Abriram bolsas de estudo, promoveram estágios. Porque não faz isso?
Não sou de dar esmolas para aliviar a consciência.

O que considera um “salário digno” para um eurodeputado?
Não é, seguramente, 18 mil euros por mês para um país em que o salário mínimo é inferior a 500 euros. Não é seguramente dar uma pensão de reforma de 1.300 euros ao fim de cinco anos.