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Crise migrantes

Uma Europa "estranhamente desacompanhada" pela ONU à margem de Guterres.

05 set, 2015 • José Pedro Frazão

António Vitorino e Pedro Santana Lopes criticam inacção da "ONU política" no ataque às razões da fuga de centenas de milhares de pessoas do Médio Oriente e Norte de África.

Uma Europa "estranhamente desacompanhada" pela ONU à margem de Guterres.
António Vitorino e Pedro Santana Lopes criticam inacção da "ONU política" no ataque às razões da fuga de centenas de milhares de pessoas do Médio Oriente e Norte de África. "Parece quase um termo da minha querida amiga Assunção Esteves [mas] há um estranho 'desacompanhamento' da Europa a nível internacional, alto comissário da ONU à parte", afirmou o antigo primeiro-ministro.

A expressão é de Pedro Santana Lopes em jeito de crítica à falta de gestos políticos de altos cargos da ONU face à crise humanitária que atinge a Europa.

"Parece quase um termo da minha querida amiga Assunção Esteves [mas] há um estranho 'desacompanhamento' da Europa a nível internacional, alto comissário da ONU à parte. A ONU política, o secretário-geral da ONU, faz uma declaração aqui e ali. Mas custa-me a compreender como é que não há já uma multiplicação de iniciativas políticas em diversas capitais, europeias e não europeias, a propósito desta situação", afirma o antigo primeiro-ministro no programa "Fora da Caixa", emitido na Edição da Noite desta sexta-feira.

Uma crítica partilhada pelo antigo comissário europeu António Vitorino, para quem a região de origem destes migrantes não vai melhorar do dia para a noite. "Pelo contrário, tem tendência para se agravar. É um problema de paz regional e paz global. Ameaça a paz e isso é competência das Nações Unidas", sustenta o comentador socialista.

É preciso ir além do acolhimento que a Europa possa proporcionar a toda esta vaga de migrantes, insiste Santana Lopes.

"Quer se queira quer não, estamos a reagir na defensiva. Não estamos a ser proactivos e a tomar a iniciativa. A solução definitiva não é acolher todos os perseguidos na Europa. É resolver o problema da paz e da guerra na origem, pelo desenvolvimento nesses países", argumenta o antigo primeiro-ministro que apela a um movimento de iniciativa política. "Se ficássemos só por aqui, ia dar mau resultado quanto à paz e à guerra na Europa".

Alguma esperança
Há ainda assim alguma evolução positiva nas posições expressas na última semana ao nível europeu, observa António Vitorino no debate semanal de temas europeus da Renascença.

"França e Alemanha deram alguns passos complementares aos que tinham dado na semana passada. A ideia de que o sistema de distribuição de refugiados seja obrigatório foi apoiada pela Alemanha e a França. Isto é uma novidade. Até aqui a França nunca tinha aceite a obrigatoriedade da repartição de refugiados", salienta António Vitorino.

Os últimos cenários apontam para uma quota de distribuição com um número de refugiados quatro vezes superior ao inicialmente avançado.

Santana Lopes diz que há ainda "uma distancia considerável em relação à realidade, mesmo com a tal triagem entre refugiados de guerra ou asilados políticos e os refugiados económicos".

O caso da Hungria
Em sentido contrario parecem ir as decisões e as palavras do Governo da Hungria. António Vitorino diz que Budapeste não poderá bloquear as soluções europeias, dado que não requerem unanimidade.

"Não há aqui um direito de veto. Pode tentar excluir-se do mecanismo obrigatório de distribuição de refugiados. O governo húngaro está aqui a fazer também um jogo duplo. Ao mesmo tempo está a negociar com a Comissão Europeia um reforço das verbas para a Hungria para a protecção e acolhimento dos refugiados. Quanto mais intransigente se mostrar a aceitar regras comuns, mais valoriza a sua posição negocial para depois ser beneficiado na repartição financeira", afirma António Vitorino.

Já Pedro Santana Lopes lança uma crítica dura contra Viktor Orban. "Não consigo compreender as declarações desse senhor. Este senhor tem tudo menos um pensamento, um estado de espírito, uma sensibilidade própria de um dirigente de um estado-membro da União Europeia. Na minha opinião, os princípios e valores da União Europeia não estão em nenhumas palavras que este senhor tem dito".

Um dos argumentos invocados por Orban diz respeito ao efeito de atracção de refugiados causado pela mera introdução de quotas.

António Vitorino diz compreender o argumento, mas aposta nos controlos policiais como contrapeso a uma realidade que pode mesmo concretizar-se.

"Não vou ser demagógico. Não vou negar que esta maior abertura e flexibilidade dos países da União Europeia tem indirectamente um impacto, o de incentivar as pessoas a virem. Não vou negar esse facto. Não tanto para as pessoas que individualmente estão em situação de desespero mas sobretudo vai pôr as redes criminosas e de traficantes que estão por detrás destes movimentos a actuarem de forma muito mais rápida e persistente. Sei que esta afirmação é perigosa mas não adianta ignorar a realidade", confessa Vitorino para depois sublinhar a resposta que as polícias vão ter que dar, a exemplo do que já aconteceu  na Turquia e na Áustria.

"Isso é muito importante para mostrar às nossas opiniões publicas que, tendo obrigações humanitárias a que temos que estar à altura, não estamos coniventes com estas redes de trafico que estão por detrás destes movimentos. É preciso um controlo mais apertado e uma triagem rápida de quem são os verdadeiros refugiados e de quem vem à boleia", apela o antigo comissário europeu com a pasta da imigração.

A solução não é também um fechar as fronteiras, acrescenta Vitorino em forma de pergunta aberta ao público.

"Acham que se fosse reinstaurado o controlo nas fronteiras, as pessoas não passavam as fronteiras na mesma? Nas fronteiras externas, elas também passam, como se está a ver. Isto não se resolve apenas com o controlo de fronteiras. Se for feito nas fronteiras externas com um controlo mais eficaz, pode produzir diferenças. Mas quando as pessoas estão desesperadas, elas tomam o comboio em Budapeste para Viena e daí para a Baviera ou farão o trajecto de outra maneira. Ou alguém acredita que uma pessoa que veio da Síria, atravessou todo o Médio Oriente, passou pela Turquia, atravessou o mediterrâneo e chegou a Budapeste, não encontrará maneiras de tornear os controlos de fronteiras para chegar a Alemanha?"