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Entrevista à Renascença

Teixeira dos Santos. "Temo que se a Grécia sair do euro os mercados se virem para Portugal"

18 jun, 2015 • João Carlos Malta

O ex-ministro das Finanças de Sócrates diz à Renascença que a almofada de 17,3 mil milhões que adia a ida aos mercados não será suficiente para enfrentar um futuro ataque especulativo à dívida portuguesa. "De alguma forma posso dizer que já vi este filme", confessa.

Teixeira dos Santos. "Temo que se a Grécia sair do euro os mercados se virem para Portugal"
Fernando Teixeira dos Santos, ex-ministro das Finanças que levou Portugal a pedir o resgate aos credores internacionais em 2011, receia as consequências para o país de uma hipotética saída da Grécia da zona euro. "Este pode ser o início do fim da área do euro", diz.

Na opinião do número dois do governo de José Sócrates, se Grécia cair, quem fica na linha de fogo dos mercados é Portugal. 

Afirma que o Estado, apesar de ter amealhado uma almofada de 17,3 mil milhões de euros, não está imune à pressão dos mercados e não será suficiente para suster um braço de ferro prolongado com os investidores na dívida pública. Também os privados não vão escapar aos problemas de financiamento que daí vão decorrer.

Para Teixeira dos Santos, neste momento o impasse do caso grego é mais político do que financeiro. E alerta para que o ministro grego das Finanças, Yanis Varoufakis, é especialista em "teoria dos jogos". Poderá ser tudo bluff?

Uma saída da Grécia da zona euro teria um efeito minimalista, como o Governo defende, ou um impacto forte sobre os principais indicadores económicos, como um grupo de economistas ligados ao PS augura?
Primeiro, gostaria de salientar que é muito difícil prever as consequências da saída da Grécia da área do euro. Estamos perante um evento sem precedentes, não há história e não temos uma base sólida para que possamos avaliar as consequências.

Mas, olhando para o comportamento recente dos mercados à divida pública, podemos constatar que de facto a preocupação dos mercados é grande. E tem-se vindo a reflectir sobre as taxas de juro praticadas nos mercados secundários. Creio que o risco de perturbação no domínio financeiro é grande trazendo consequências significativas nas condições de financiamento quer público, quer do sector privado. No que se refere ao financiamento do sector público é certo que o Governo constituiu nestes últimos meses uma almofada que nos permite cobrir as necessidades de financiamento nos próximos meses. Isso dá-nos alguma protecção nesse domínio.

Mas no sector privado, e no sector financeiro em geral, serão fortemente abaladas por um agravamento de perspectivas na área do euro.

Um outro aspecto que me parece ter em consideração é que existirão perturbações que vão gerar pessimismo e um ambiente de incerteza na Europa e em Portugal com consequências nas decisões do dia-a-dia das famílias e nos investimentos. Isto pode afectar a procura na economia e, por essa via, afectar o crescimento da nossa economia.

Um outro aspecto relevante, numa perspectiva de médio longo prazo, é que começamos a assistir a uma desagregação da moeda única que se pensava ser uma área coesa, sólida com mecanismos de governação adequadas e de auxílio aos Estados-membros em situação de crise. O caso da Grécia vem-nos mostrar que nada disso existe e que a partir de agora a solução que se aponta é a saída do país da área do euro. E não procurar resolver os problemas de fundo que estão na origem.

Este pode ser o início do fim da área do euro. Esse é o meu receio.

O perigo de desagregação da zona euro, que se pensava indivisível, pode levar a novos ataques dos mercados. Há mesmo quem diga que se a Grécia sair é Portugal que se pode seguir. Há esse risco?
Partilho esse receio. De alguma forma posso dizer que já vi este filme. Quando houve a crise da dívida soberana, e esta se agudizou em 2010, todos dizíamos que esta era uma questão só com a Grécia, que outros países da área do euro estavam fora de risco. E penso que o que entretanto se passou mostrou o quão enganados estávamos em relação à protecção que tínhamos e que pensávamos ter. Hoje, os mercados olham para os países de forma diferente daquela que olhavam há cinco anos. Mas, mesmo assim, Portugal não está imune do risco de, depois de a Grécia cair, poderem virar-se para outras economias que estão fragilizadas e pressentem ainda ter pesos elevados na sua dívida pública. E ele é sério.

Não haverá almofada que salve o país?
Essa almofada terá um efeito que será importante no curto prazo, mas tenho dúvidas que tenhamos capacidade para resistir a um braço-de ferro mais prolongado com os mercados, se esse cenário se vier a desenhar.
Isto vai exigir uma intervenção mais forte do BCE.

Apesar de a banca nacional ter reduzido a exposição a divida grega, ainda há perigo de haver consequências para a o sistema financeiro?
Não há uma exposição directa significativa à divida grega. Temo mais os riscos que vêm do agravamento das condições de financiamento para os países da periferia do euro que podem afectar.

Podemos voltar aos valores que nos levaram a pedir ajuda externa, com juros acima dos 7% na dívida a dez anos?
É muito difícil prever isso. O que os mercados estão a indicar é um agravamento das condições de financiamento. Em meados de Março, depois de o Banco Central Europeu ter anunciado o "quantitative easing", as taxas de juro quase bateram no zero. Estiveram pouco acima do 1,5%, agora estão perto dos 3,5%. Mostra bem como os mercados agravaram as condições mediante esta indefinição em torno da Grécia.

Se se confirmar o pior cenário, temo que os mercados venham a penalizar ainda mais economias como a portuguesa.

Para o cidadão comum, a ideia que fica é que a Europa gastaria menos a resolver a crise grega do que a solucionar uma saída da Grécia. A questão é agora mais política do que financeira?
Penso que sim, há uma forte componente política. Por um lado, a ideia de que é preciso levar a cabo uma forte correcção nas contas públicas, quer no domínio das reformas estruturais de países da área do euro. Houve uma demonização dos países da periferia, o que é um erro. Há uma distinção entre os bem comportados e os malcomportados na área do euro, o que fez com que muitos responsáveis políticos lançassem um estigma sobre estes países. Agora tem dificuldade em explicar mudanças de atitude. Isso adensa as preocupações políticas em países como a Alemanha.

Ou seja, o combate é ideológico?
Temos um governo do lado grego que tem vindo também a ter uma postura muito dura nas negociações com a Europa, não querendo ceder muito. Estamos a assistir a um braço-de-ferro entre os credores europeus e a Grécia. Quero crer que estamos a viver um ambiente de grande dramatização de parte a parte.

Recordo que o ministro [das Finanças] Varoufakis é um especialista em teoria dos jogos. Eu interrogo-me até que ponto é que não está aqui a jogar e a fazer um "bluff" forte neste jogo negocial com a Europa para que no fim possa haver uma cedência, ainda que pequena de parte a parte, para que todos possam reclamar algum ganho que venham a conseguir.