Entrevista

Francis Fukuyama. Há um voto em Hillary Clinton no fim desta "estória"

29 mai, 2015 • José Pedro Frazão

Foi conselheiro de Ronald Reagan, distinto membro de neo-conservadores que defenderam o derrube de Saddam Hussein. Nascido em Chicago, há 62 anos, mudou entretanto para Obama e, agora, revela à Renascença que admite votar em Hillary, em 2016.

Em entrevista à Renascença, à margem das Conferências do Estoril,  Francis Fukuyama percorre o mundo em poucos minutos.  Da esperança nas democracias emergentes, como o Brasil ou a Índia, ao dedo apontado às falhas na construção europeia.

O autor de "O Fim da História e o Último Homem" ainda mantém a sua tese a brilhar em favor das democracias liberais. Mesmo que o mundo tenha dado mais 23 voltas em torno do Sol desde então.


Há uma questão que já deve ter respondido em todas as entrevistas, sobre o seu livro mais famoso. Considera a possibilidade de desafiar a sua própria ideia de "fim da história", neste momento ou daqui a dez anos?
Tem que entender de que ideia tratava. O "fim da história"’ era sobre a direcção da história quando nos modernizamos e desenvolvemos, para que tipo de sociedade caminhamos. Penso que a única conclusão possível é uma qualquer forma de democracia liberal, de economia de mercado. Não penso que uma república islâmica ou uma forma autoritária de regime capitalista, do tipo chinês, possam ser imitadas por muita gente.

Mas a China é hoje muito diferente do tempo em que escreveu o seu livro...
Sim. Teve, de facto, uma performance muito impressionante por parte de um partido comunista. Mas é algo muito difícil de replicar noutras partes do mundo. Mesmo na China, não estou certo que venha a ser sustentável no longo prazo.

O que pensa das economias emergentes como o Brasil ou a Índia?
É algo esperançoso, na medida em que ambos os países assistem a movimentos anticorrupção. A democracia não é o tema, ali. São países profundamente democráticos.

O verdadeiro problema é a má governação, o falhanço na disponibilização de serviços básicos, os altos níveis de corrupção. Aí, penso que é necessária uma revolução social. Penso que assistimos ao início disso em ambos os países.
 
Até na Índia?
Bom... A Índia não é tão desenvolvida como o Brasil. Mas mesmo aí ,em certos estados e cidades, vemos de facto movimentos da sociedade civil a criticar a corrupção.
 
A base da ideia de uma democracia liberal assenta na força das instituições. Aqui, na Europa, há um declínio na confiança nas instituições, mas a democracia funciona. Mesmo em países como a Grécia, onde há hoje uma ideia diferente de poder político. Como vê hoje a Europa, nas suas instituições e no seu panorama politico?
A democracia nalguns países europeus está, na verdade, de muito boa saúde nalguns países europeus. A Alemanha, Escandinávia, Holanda ou a Suíça adoptaram reformas laborais muito difíceis, mas com muito sucesso.
 
O verdadeiro problema está ao nível europeu. A Europa está cada vez mais parecida com os Estados Unidos, mas não desenhada como os EUA. Não tem poderes suficientemente fortes sobre a política macro-económica para ser uma união económica efectiva. E, no entanto, tem fortes posições em questões que não são tão importantes como a rotulagem de produtos, o que realmente aborrece as pessoas e contribui para a erosão da legitimidade da União Europeia como um todo.
 
Então, a União Política é essencial para desenvolver a Europa? O problema é a falta de poder politico na União?
E também a falta de uma directa prestação de contas . As pessoas não sentem que participam nas decisões da União Europeia, porque acontecem por via de camadas de governos nacionais.

Falemos de desafios globais. Temos um problema demográfico aqui na Europa. São as instituições que vão resolver a situação ou pensa que as soluções virão de outros lados?
O desafio demográfico é algo que pode ser resolvido, em teoria, através da imigração. Mas, aí, o problema torna-se politico e cultural, sobre como lidar com a imigração. Não é impossível de o fazer. A maioria dos países anglófonos - Canadá, Austrália, Estados Unidos - foram muito abertos à imigração e razoavelmente bem sucedidos a assimilar populações culturalmente muito diferentes. Mas requer uma atitude diferente em relação à identidade nacional.

Considera que os EUA são um bom exemplo da forma como se deve lidar com a imigração?
Absolutamente. Os Estados Unidos veem-se como uma nação de emigrantes, apesar de algumas reacções contra a imigração hispânica ilegal. A queixa não é contra a imigração em si, mas o facto de não ser um processo controlado.

Como lê os sinais de alguma tensão racial nos Estados Unidos?
Não é novidade para nenhum norte-americano que existem muitos afro-americanos que não vivem bem. Vivem em bairros horríveis, com escolas terríveis. Penso que a maior parte dos americanos consegue até esquecer-se deles durante algum tempo.

Outro desafio global: como responder às alterações climáticas? São as nações que contam ou é preciso encontrar uma vontade global?
Não penso que haja nada parecido com uma vontade global. Tem que se operar politicamente, através da estrutura dos estados. Não temos boas instituições internacionais a lidar com isto. Penso que requer algo a um nível país a país, tomando decisões difíceis que possam mitigar o aquecimento global.

Defenderia uma mudança na Casa Branca a favor dos republicanos? Ou estaria mais próximo de uma figura como Hillary Clinton?
Penso que é pouco provável que venha a votar nalgum dos republicanos que venham a conseguir a nomeação presidencial. O partido tornou-se demasiado conservador. Não sou um terrível entusiasta de Hillary Clinton. Mas ela será, provavelmente, melhor que as outras alternativas.

Votaria nela?
Sim. Provavelmente, votaria.