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De Alexis aos ziguezagues. O glossário da nova Grécia

12 fev, 2015 • Pedro Rios e João Carlos Malta

Têm sido dias loucos para os novos líderes gregos, que tentam convencer a Europa da necessidade de uma nova estratégia para o país. A Renascença conta-lhe tudo, de A a Z.

De Alexis aos ziguezagues. O glossário da nova Grécia
O Syriza conquistou o poder na Grécia a 25 de Janeiro, com uma vitória nas urnas que poucos adivinhariam há alguns meses. Em menos tempo ainda, dois rostos afirmaram-se na política europeia: Alexis Tsipras, o primeiro-ministro, e Yanis Varoufakis, ministro das Finanças. A Renascença faz a crónica (possível) destes dias agitados, de A a Z.

ALEXIS TSIPRAS
Em pouco tempo passou de figura da esquerda minoritária grega a primeiro-ministro. Ex-comunista, engenheiro civil de formação, mantém o estilo descontraído - sem gravata - que exibia na oposição. Levou o Syriza à vitória nas legislativas de 25 de Janeiro, tornando-o depositário das esperanças de muitos opositores das políticas de austeridade na Europa. Agora, tem a missão de convencer a Europa da bondade dos seus planos para resolver os graves problemas da economia grega.

BUROCRATAS
Com o Syriza ao comando, a Grécia rejeitou conversações com os técnicos da troika (Comissão Europeia, Banco Central e Fundo Monetário Internacional) para encontrar um novo rumo para uma economia destroçada e uma dívida gigantesca (320 mil milhões de euros, 176% do PIB). Agora, a Grécia só fala com responsáveis políticos, das instituições e dos países europeus (Tsipras e o ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, iniciaram uma digressão por várias capitais). "Não temos intenção de trabalhar com uma comissão [a troika] que não tem razão de existir, mesmo na perspectiva do Parlamento Europeu", justificou Varoufakis.

CONTO DE CRIANÇAS
Não houve direito a sorriso amarelo de diplomata e a palavras de circunstância. A vitória do Syriza foi mal recebida pelo primeiro-ministro português. Pedro Passos Coelho apelidou de "conto de crianças" a ideia de que "é possível que um país, por exemplo, não queira assumir os seus compromissos, não pagar as suas dívidas, querer aumentar os salários, baixar os impostos e ainda ter a obrigação de, nos seus parceiros, garantir o financiamento sem contrapartidas". Dias depois, no Parlamento, manifestou-se contra a realização de uma conferência europeia sobre a renegociação da dívida soberana, uma proposta do governo grego.

DRACMA (E EURO)
Em 2012, uma saída do euro por parte da Grécia era vista como catastrófica. A "Grexit" teria um risco de contágio para outras saídas da moeda única, haveria perdas de milhares de milhões para países como a Alemanha, avisava a alemã Bertelsmann Foundation. Hoje, o regresso da Grécia ao dracma já não é tema tabu. Mas ainda se temem as consequências – imprevisíveis até porque ainda nenhum país saiu do euro. O ministro grego das Finanças diz que Portugal e Itália podem ser os próximos países a deixar a moeda única se a Grécia acabar por sair da união monetária. "O euro é frágil, é como um castelo de cartas, se se tirar a carta grega os outros [países] vão entrar em colapso", disse Varoufakis à televisão italiana Rai 3.

FRANÇA
Desiludiu parte importante da esquerda europeia com um programa que prometeu muito e concretizou menos. François Hollande volta à acção "nim, nim". A França não estica a corda para nenhum dos lados. Por um lado, está pronta para ajudar a Grécia; por outro, diz a Tsipras para falar com Merkel. Um assomo de que o peso da França na Europa actual é reduzido. Numa tentativa de agradar a gregos e a alemães, o ministro das Finanças francês, Michel Sapin, apelou a um "financiamento seguro" para a Grécia, embora em conformidade com as "normas europeias".

GRAVATA
A imagem tem mil leituras possíveis (e na diplomacia os gestos podem contar mais do que relatórios de mil páginas). Matteo Renzi, o primeiro-ministro italiano, ofereceu uma gravata de seda a Tsipras, que evita usar este acessório. Tsipras prometeu estreá-la quando houver uma solução que considere viável para a Grécia. Também Varoufakis evita o clássico visual sensaborão dos líderes europeus: evita a gratava, claro, mas vai mais longe, pondo a camisa por fora das calças. Na Renascença, António Vitorino classificou Varoufakis como a "'rock star' da política europeia". Santana Lopes foi mais longe: "Não sei se a música é muito afinada. É pesada, hard rock, heavy metal!".

HEMORRAGIA
Depois das eleições, houve uma fuga em massa de capitais dos bancos gregos. Já na semana que antecedeu o acto eleitoral, o levantamento de depósitos nos bancos gregos atingiu 14 mil milhões de euros (se o lapso temporal começar no início de Dezembro esse número atingiu os 20 mil milhões de euros) – um número recorde, segundo a Bloomberg. A agência noticiosa diz que este comportamento foi uma resposta aos receios de falta de liquidez perante a incerteza do resultado das negociações do novo governo com a troika.

IMPOSTOS
Do programa económico do Syriza faz parte o combate à evasão fiscal, um problema que muitos especialistas apontam como crónico na Grécia.

JEAN-CLAUDE JUNCKER
Para a fotografia sorrisos, abraços, mãos dadas com Tsipras. Tudo perfeito. Mas nem tudo são imagens e nas palavras as cores são outras: menos alegres. Juncker diz para o primeiro-ministro grego não assumir que os seus planos serão aceites pelos parceiros europeus. E em jeito de aviso: "A Europa não vai mudar tudo por causa da Grécia".

KAMMENOS
Panagiotis "Panos" Kammenos lidera os Gregos Independentes, parte de uma coligação improvável. Um partido de direita nacionalista em tudo diferente do esquerdista Syriza menos no que é agora essencial: a frente externa. Aí o inimigo é comum: Merkel e as políticas de austeridade (ou de humilhação se a tradução se fizer para grego). No resto, tudo radicalmente diferente, os Gregos Independentes são um partido contrário à ideia de uma sociedade multirracial, ao casamento homossexual. Kammenos foi acusado de antissemitismo por ter sugerido recentemente numa entrevista que os judeus tinham um tratamento preferencial em relação ao pagamento de impostos na Grécia. Apesar de ser ministro da Defesa é na abertura de pontes a Oriente que mais se tem distinguido nos primeiros dias de governo. Rússia e China poderão ser aliados se as negociações com a União Europeia falharem.

LÓBI
Varoufakis e Tsipras estiveram em digressão à procura de apoios junto de diversos governos europeus. Foram sentir a "temperatura da água", disse o economista João Duque à Renascença.

MERKEL
A chanceler não se quis encontrar a sós com Tsipras. A decisão foi lida como uma manobra política para Angela Merkel ganhar espaço de negociação. Tem gerido com pinças esta matéria, tendo delegado no ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble, a liderança das primeiras negociações.


Schäuble e Varoufakis: duas visões para o mesmo problema. Foto: Michael Kappeler/EPA

NEW DEAL
Um "New Deal" europeu com investimento público europeu financiado pelo Banco Europeu de Investimento. Tsipras já disse que é imperativo abandonar as políticas de austeridade e financiar o crescimento criando empregos de qualidade. Para isso, quer um plano pan-europeu de crescimento que só poderá acontecer com investimento público – como o "New Deal" que repôs de pé a economia norte-americana depois do "crash" bolsista de 1929.

OBAMA
Foi noutras paragens que a Grécia encontrou um apoio de peso. "Não é possível continuar a espremer países em plena depressão", afirmou o Presidente norte-americano em entrevista à CNN, no início de Fevereiro. Barack Obama disse que a Grécia ainda não fez algumas reformas essenciais (entre as quais uma que melhore o seu "celebremente terrível" sistema de cobrança de impostos), mas defendeu que é hora de apostar em políticas de crescimento. "É muito difícil iniciar essas mudanças quando o nível de vida das pessoas caiu 25%. A dado momento o sistema político, a sociedade, não o podem suportar."

PODEMOS
É uma das imagens que fica da campanha eleitoral grega: Alexis Tsipras abraçado ao espanhol Pablo Iglesias, líder do Podemos. Nada mais, nada menos que o partido que pode conseguir em Espanha o que o Syriza conseguiu na Grécia: conquistar o poder apresentando-se como alternativa aos partidos tradicionais.

QUANTITATIVE EASING
Chamaram-lhe "bazuca monetária" – ou um bem mais técnico "quantitative easing" (a Renascença trocou por miúdos). Em Janeiro, o BCE anunciou um plano de compra de dívida (60 mil milhões de euros mensais), que começará em Março, uma forma de combater a deflação e arrebitar a economia europeia. Mas a Grécia deverá ficar de fora devido aos limites colocados a este mecanismo.

RÚSSIA
Ainda o Syriza saboreava a vitória e já jogava em vários tabuleiros. A diplomacia europeia preparava-se para prolongar as sanções à Rússia e a Grécia mostrou reservas (um veto grego impediria a decisão, que requer unanimidade). O ministro grego da Energia disse mesmo que o país não tinha "problemas nem com a Rússia, nem com o povo russo". O governo liderado pelo Syriza não bloqueou o prolongamento das sanções, mas criticou o facto de não ter sido consultado. Acabaria por aprovar a medida, mas a tensão inicial foi lida por vários observadores como um aviso: a Rússia pode ser um aliado, no caso de a Europa não apoiar os planos gregos.

SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
A história ficou lá atrás? Não, Tsipras não deixa. O primeiro-ministro grego diz que a Alemanha tem a "obrigação histórica e moral" de pagar cerca de 162 mil milhões de euros em indemnizações da Segunda Guerra Mundial. O valor é cerca de metade da actual dívida pública helénica. E o primeiro acto oficial de Tsipras como PM foi prestar homenagem aos 200 gregos foram mortos na Segunda Guerra Mundial. Probabilidades de a Alemanha pagar esse valor? "Zero", dizem os alemães, que lembram que um tratado assinado há 25 anos pôs cobro a estas exigências por parte dos países ocupados.


Tsipras num memorial em honra de comunistas mortos pelos nazis. Foto: Alexandros Beltes/EPA

TURISMO
Em 2014, 22,5 milhões de estrangeiros, o dobro da população grega, visitaram o país. O valor ajudou a Grécia a interromper um ciclo de seis anos de recessão e a conseguir crescer (mesmo que de forma tímida).

UNIÃO EUROPEIA
O Syriza galvanizou a esquerda, mas também mereceu simpatia noutros quadrantes ideológicos. Mesmo à direita, na fatia que não se revê nas políticas que a UE tem seguido. Uma citação apenas, de Manuela Ferreira Leite, ex-líder do PSD e ex-ministra das Finanças: "[A vitória do Syriza] é uma grande vitória da democracia e é muito a ideia do bem que é uma democracia. As políticas de austeridade que foram impostas a determinado tipo de países foram absolutamente cegas e sem permitir qualquer espécie de alternativa. Isto é: houve uma imposição de uma ortodoxia verdadeiramente fanática sem nenhuma consideração de natureza social."

VENDAS
O Syriza venceu e não perdeu tempo: travou as privatizações, do sector eléctrico aos portos e aeroportos. "Chegámos para mudar radicalmente a forma como as políticas e a administração são conduzidas neste país", disse Tsipras aos ministros na primeira reunião do governo.

WOLFGANG SCHÄUBLE
O ministro das Finanças alemão recorreu a uma fórmula da diplomacia para comentar o seu encontro com o homólogo grego. Ambos concordaram "em discordar". Varoufakis desfez o lugar-comum: nem isso. O episódio – o mais "picante" do périplo europeu dos novos líderes políticos gregos – mostrou o quão difícil será a conciliação de duas visões opostas para a Europa.

XENOFOBIA
Muito se falou da vitória histórica do Syriza. Mas também relevante foi o resultado do partido de inspiração neonazi Aurora Dourada, que teve uma ligeira queda face às legislativas anteriores, mas ficou em terceiro. Na visita a Berlim, Varoufakis disse que a Grécia precisa da Alemanha para impedir o crescimento do Aurora Dourada. "A Alemanha deve estar orgulhosa com o facto de o nazismo ter sido erradicado aqui. Quando voltar hoje para casa, vou estar num parlamento em que o terceiro maior partido não é um partido neonazi, mas um partido nazi", alertou.

YANIS VAROUFAKIS
Deu que falar pelo seu visual, pela forma aberta como comunica nas redes sociais e, claro, pelo que propõe: um novo caminho para a Grécia e para a Europa. Não fugiu ao recorrente tema da dívida (não podia fugir) e usou uma imagem forte: "Parecemos um toxicodependente viciado em endividamento. O objectivo deste governo é acabar com essa dependência."

ZIGUEZAGUE
Os críticos e os cépticos dizem que, chegado ao governo, o Syriza suavizou o discurso face às promessas eleitorais. E logo no mais pesado dos dossiês, dizem: o perdão da dívida tornou-se numa nova abordagem à questão. Mas outros dizem que o Syriza nunca pediu tal perdão e que qualquer cedência grega terá uma contrapartida que beneficiará o país – como deve acontecer em qualquer negociação.