Emissão Renascença | Ouvir Online

Ricardo Conceição

Venceu a campanha da esperança

24 jan, 2015 • Ricardo Conceição

Análise à campanha grega, em dia de reflexão mas pouco, feita pelo enviado especial da Renascença às eleições legislativas deste domingo.

Venceu a campanha da esperança

Falhou a campanha do medo e venceu a campanha da esperança e o Syriza deverá vencer as eleições deste domingo na Grécia. Aconteceu tudo tão depressa que as máquinas partidárias não tiveram tempo para montar a habitual campanha eleitoral, que terminou esta sexta-feira. Foi preciso procurar para encontrar acções de campanha nas ruas que, para além de uns panfletos distribuídos à boca do Metro, viveu dos stands montados no centro de Atenas e dos tempos de antena nas televisões.

A campanha do medo não passou, esbarrou no orgulho grego e na necessidade de recuperar a esperança. A Nova Democracia do primeiro-ministro Antonis Samaras apostou muito na ameaça que, alegadamente, representa o Syriza. Ontem, num pavilhão construído para a prática do Taekwondo, o primeiro-ministro entrou ao ataque afirmando que o programa do partido de esquerda é um retrocesso, é uma ameaça ao que o gregos conseguiram nos últimos anos. Antonis Samaras lembra que o programa de ajustamento está quase no fim, melhores dias virão. Num derradeiro apelo ao voto, o primeiro-ministro avisa que o Syriza pode lançar a Grécia num terceiro resgate.

Atenas recebeu da Troika cerca de 240 mil milhões de euros em dois resgates. Nesta altura os cheques estão suspensos e a avaliação do programa também. O novo memorando devia ter terminado em 31 de Dezembro e foi prolongado por dois meses devido à realização destas eleições.

Os alertas de Antonis Samaras a nível interno e as declarações que chegaram de Bruxelas caíram muito mal entre os gregos. Foi aqui que nasceu a Democracia. Os gregos têm orgulho na pátria, na história, na forma como ao longo de séculos lidaram com provações, guerras, invasões e outros cataclismos (palavra de origem grega).

À sombra do imponente Partenon, que reina sobre Atenas há 2.500 anos, Yiannis Adamantoupolos diz que vai votar no Syriza. Tem 60 anos, é um conservador assumido. Os olhos brilham sempre que fala na Grécia. Yannis responde com um encolher de ombros à provocação: “Um conservador a votar na esquerda radical?" O gerente de hotel aponta que “os outros falharam, chegou a altura de tentar algo de novo”. Yannis é um homem preocupado com o futuro do seu país e não tolera que Bruxelas envie recados aos gregos. Não gostou de ouvir as declarações de Christine Lagarde ou de Jean-Claude Juncker a indiciar que os gregos deviam votar pela continuidade. Esta campanha do medo “saiu pela culatra”, apesar da Nova Democracia ocupar o segundo lugar nas intenções de voto. Os gregos aceitam a incerteza que representa o Syriza, porque se sentem feridos no orgulho e estão convictos que a mudança e a esperança são possíveis.

Tal como Obama fez nos Estados Unidos, Alexis Tsipras apresentou a “Esperança” como slogan ("A esperança está a caminho"). Na quinta-feira, perante milhares de pessoas na praça Omonia, em Atenas, o líder do Syriza prometeu um corte na austeridade e um rumo novo. A multidão escutava e alguns não continham as lágrimas e os sorrisos por estarem a assistir uma realidade que seria impensável há alguns anos: a esquerda mais dura no Governo.
 
Tsipras tem 40 anos, é engenheiro de formação, mas sempre se dedicou à política. Diz que a Grécia vai cumprir as suas obrigações e quer discutir uma solução para a dívida grega (177% do PIB) no próximo verão. Se chegar a primeiro-ministro, a primeira viagem será ao Chipre e não a Berlim. Para o líder do Syriza, Angela Merkel é uma entre os 28 lideres europeus, nada mais do que isso. A Grécia de Tsipras não negociará com os representantes daTroika, apenas com as lideranças institucionais europeias.

Os gregos sentem-se humilhados pelos credores que vieram a Atenas impor cortes e subidas nos impostos. Jean Bastian, economista, alemão (vive em Atenas há vários anos) explica que os gregos vêem nestas eleições a hipótese de recuperar a soberania perdida.

Os cafés e as esplanadas de Atenas estão cheios de conversas que desaguam nas eleições. De quando em vez, os mais de 700 jornalistas estrangeiros acreditados para estas eleições entendem uma palavra da conversa do lado: Demokratia, Economia, krisis, Syriza, Merkel, entre outras.

Este domingo mais de nove milhões de pessoas, num país com pouco mais de 10 milhões, são chamados às urnas. O voto é obrigatório, mas ninguém é sancionado se não for votar. A lei existe, mas não é aplicada.

Concorrem 22 partidos, mas o Syriza lidera e muitos não vão conseguir o mínimo de 3 por cento de votos que permite o acesso ao parlamento.

Este sábado não há campanha oficial, mas os stands que distribuem propaganda continuam a funcionar e os líderes das várias forças políticas participaram em almoços e fizeram declarações aos jornalistas. Samaras até foi mesmo à praça Syntagma, a principal da capital, tudo num dia frio e com pingos grossos, que a espaços caem do céu carregado de Atenas.