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Luís Salgado de Matos

Nova Comissão Europeia vai ter de lutar pela sobrevivência

01 nov, 2014 • Hugo Monteiro

O sociólogo Luís Salgado de Matos manifesta, em entrevista à Renascença, dúvidas de que Jean-Claude Juncker, enquanto presidente da Comissão Europeia, consiga manter a independência face a Paris e Berlim que, no plano pessoal, já demonstrou.

Nova Comissão Europeia vai ter de lutar pela sobrevivência

O sociólogo Luís Salgado de Matos sustenta que a nova Comissão Europeia (CE), que entra em funções este sábado, vai ter pela frente, como grande desafio, a sobrevivência enquanto organismo europeu, o que passa por manter-se independente de França e da Alemanha.

Em entrevista à Renascença, Salgado de Matos diz que Jean-Claude Juncker já mostrou que "é dos raros políticos europeus que não está dependente do Governo de Berlim”, mas o sociólogo tem dúvidas de que, enquanto presidente da CE, Juncker seja capaz de manter a autonomia.

Qual é o principal desafio desta nova Comissão Europeia?

O principal desafio que a Comissão Europeia vai ter de enfrentar é a balcanização da União Europeia. A partir do momento em que o euro entrou em crise, a partir do momento em que a Alemanha dividiu a Europa entre credores e devedores, entre bons e maus, houve uma nacionalização das políticas europeias e houve uma marginalização da Comissão Europeia, que é uma instância de tipo federal. Assim, o primeiro desafio é sobreviver enquanto organismo europeu.

O que é que a nova Comissão precisa de fazer para sobreviver?
Vai ter de manifestar que é capaz de ser independente de Berlim e de Paris, coisa que a Comissão liderada por Durão Barroso nunca fez.

Face às regras do euro e face às posições que França e Alemanha têm tomado, será nesse campo que a Comissão Europeia poderá demonstrar essa força?
Pode ser aí, mas também pode ser em matérias orçamentais, por exemplo. Os fundos estruturais que Portugal actualmente recebe, que vêm do orçamento europeu, estão submetidos a uma condicionalidade estrita. Portugal, para obter dinheiro do orçamento europeu, tem que, ele próprio, investir. Ora, como Portugal atravessa uma crise financeira grave, não tem dinheiro para investir, significando isso que uma parte importante dos fundos estruturais ou comunitários reverte para bolso alemão ou para o bolso francês, ou holandês, e nunca são investidos em Portugal, por falta de dinheiro nosso. A Comissão Europeia podia defender uma abordagem efectivamente comunitária: os fundos seriam investidos em Portugal, e Portugal pagaria a sua parte, quando as finanças públicas o permitissem. A Comissão nunca tomou uma posição destas, defendeu sempre os países credores, para aceitar a divisão que a Alemanha impôs.

Perante esta necessidade de se impor perante Berlim e Paris, Jean-Claude Juncker é o homem capaz de o fazer?
Haverá algum homem capaz de o fazer? O senho Juncker já manifestou, pessoalmente, que é dos raros políticos europeus que não está dependente do Governo de Berlim. Vai ser capaz? Vamos ver... Tenho as mais sinceras dúvidas. O senhor Juncker queria fazer uma Comissão Europeia prestigiada e forte e foi completamente boicotado pelos governos dos principais países. A nova Comissão é relativamente fraca.

É a Comissão possível, mas não a desejável...
É uma Comissão que fica abaixo das expectativas que o senhor Juncker criou. Pôs a barra muito alta, mas teve que, como é inevitável, engolir os sapos que os diferentes governos para lá mandaram. Assim, a Comissão entra um bocadinho coxa. Conseguirá recuperar? Jean-Claude Juncker é um político hábil, um homem inteligente, mas desembarca num terreno muito difícil. O eixo franco-alemão prepara-se para pôr o Reino Unido 'na rua' da União Europeia. Uma Europa que tem a Ucrânia, mas exclui o Reino Unido, é uma Europa, no mínimo, fora do comum, pelo menos, para um olhar português.

Esta será uma Comissão Europeia melhor do que a de Durão Barroso?
A questão não está nas qualidades de Durão Barroso. Essas estão fora de dúvida. A questão está no facto de que Durão Barroso será o presidente da Comissão Europeia que a transformou, de um organismo de tipo federal, no agente do eixo franco-alemão e, em particular, da Alemanha. Isso é uma escolha política. O senhor Juncker, pessoalmente, já manifestou a sua capacidade de independência face a Berlim. Vai conseguir afirmá-la? Veremos...