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Tragédia foi há 13 anos

Judy apoia sobreviventes do 11 de Setembro. "As pessoas querem lembrar-se; eu quero lembrar-me"

11 set, 2014 • Ana Carrilho

Judy Kuriansky é psicóloga clínica e participou na ajuda no pós-11 de Setembro. "Dou por mim muitas vezes a chorar porque me lembro como foi traumatizante", diz à Renascença.

Judy apoia sobreviventes do 11 de Setembro. "As pessoas querem lembrar-se; eu quero lembrar-me"

Passaram 13 anos sobre os ataques terroristas às Torres de Nova Iorque. Mais de três mil pessoas perderam a vida. Para os socorristas e sobreviventes, as marcas permanecem. Mesmo quando se quer esquecer. A passagem de cada aniversário aviva a memória. Aos psicólogos cabe a tarefa de minimizar os danos.

Judy Kuriansky é psicóloga clínica e participou na  ajuda no pós-11 de Setembro. Esteve no terreno em Nova Iorque naquele dia de 2001, mas já passou por outras catástrofes, como o tsunami no sudeste asiático de 2004, o furacão Katrina (2005) e terramotos no Haiti, Japão e China. Ajudar os outros a ultrapassar os efeitos de situações traumáticas e a avançar é uma das suas prioridades.

"Dr. Judy", como é conhecida, está em Portugal para participar no 2º Congresso da Ordem dos Psicólogos, a decorrer em Lisboa até sábado.

Os sobreviventes dos atentados de 11 de Setembro conseguiram prosseguir com a sua vida?
À medida que os anos passam, um número crescente de pessoas consegue avançar com a sua vida, mas, como provam vários estudos, uma grande parte da dor persiste. É aquilo a que chamamos "reacção ao aniversário". E está provado que as datas (do 11 de Setembro ou dos anos dos filhos, do aniversário de casamento ou de quando os pais morreram) são marcantes. Assinalam uma grande mudança na nossa vida, no nosso pensamento, nas nossas crenças e na confiança no mundo. Por isso, a 11 de Setembro, as pessoas lembram-se da dor que esse dia provocou.

Tenho que dizer que há diferentes formas de as pessoas lidarem com o trauma – os estudos também o provam. Algumas pessoas querem esquecer: "não me falem mais nisso, não quero lembrar-me, a dor é muito forte e eu quero que este seja um dia como os outros e esquecer-me dele".

E isso é possível?
Sim, para algumas pessoas é possível. Mas há outras pessoas que dizem: "neste dia, eu quero lembrar-me e quero honrar os amigos e familiares que que morreram. Mesmo que estivesse longe e não tivesse nada a ver com isso. Quero pensar como é que o mundo pode mudar num momento e valorizar as pessoas que eu amo e a minha vida. E que a segurança é possível".

Como psicóloga, descobri que podem existir grandes conflitos nos casais quando uma das pessoas quer esquecer esse dia horrível e a outra pessoa quer lembrar, falar sobre os seus sentimentos e relembrar a sua experiência. Isto é muito importante para os psicólogos poderem ajudar os casais e para que estes saibam que podem reagir de maneira diferente e que isso pode causar problemas.

E no seu caso, quer esquecer ou quer lembrar?
Quero lembrar-me e lembro-me em todos os "11 de Setembro". Dou por mim muitas vezes a chorar porque me lembro como foi traumatizante, lembro-me das pessoas que perdemos, dos primeiros socorristas, dos bombeiros, dos polícias, das pessoas do FBI que partilharam esses tempos comigo.

E também critico Michael Bloomberg, o presidente da cidade de Nova Iorque, que, anos mais tarde, declarou: "Temos que avançar!". Critico e até escrevi artigos em que digo que não está certo. As pessoas querem lembrar-se; eu quero lembrar-me. E quero que se realizem aqueles grandes eventos em que as pessoas se juntam para lembrar aquele dia e os que perderam a vida.

Falar com crianças ou com adultos é diferente. As técnicas não devem ser as mesmas.
Penso que temos sempre ajustar a maneira como falamos, dependendo da idade da criança. Quando não têm idade suficiente para expressar as suas emoções mostram os seus sentimentos através do corpo: têm dores de cabeça, dores de estômago, não conseguem dormir, podem ficar irritadas. Ou podem não querer ir à escola. E os pais têm que estar alerta. Quando são mais velhos já podemos falar com eles sobre o que este dia significa.

E os pesadelos continuam?
Os pesadelos acompanham as crianças que são expostas ao trauma… um ataque, inundações, terramotos, incêndios. Conheço muitas crianças que quando ouvem um barulho muito grande ficam enervadas porque lhes lembra qualquer coisa. Há miúdos que não podem tomar um duche porque lhes lembra uma inundação que os atingiu. Por isso, os pais têm que estar alerta para coisas simples do dia-a-dia que podem avivar as memórias. E às vezes é a família inteira que tem problemas com o trauma. Eu aconselho sempre os pais a terem cuidado com a forma como expressam os seus receios porque as crianças são muito sensíveis e percebem quando é que os pais têm medo. Ou quando os pais começam a discutir porque um quer falar sobre o que se passou nesse dia e o outro quer esquecer. Não queremos que as crianças presenciem esse tipo de discussões.

Quais são as técnicas que um psicólogo pode usar com estas pessoas?
Há duas coisas muito importantes. Uma: fazer com que as crianças se sintam seguras. E, sobretudo às mais pequenas, dar-lhes alguma coisa que possam agarrar, que seja macia e fofa. Em psicologia, chamamos-lhe "Contacto de Conforto". É como o ursinho que tivemos em bebés ou o cobertor a que andávamos sempre agarrados ou a boneca velha que nunca largávamos. São objectos muito importantes que têm significados psicológicos – são objectos de transição, são como os mimos da mãe. Dar à criança alguma coisa macia a que se agarrar e ainda melhor, abraçá-la!

Em alturas como esta do aniversário do 11 de Setembro, o que aconselhamos a muitos pais é que passem mais tempo com os seus filhos, que os abracem, que lhes digam que os amam, que estão seguros. Estas mensagens são importantes.
 
Este é o 13º aniversário do ataque às Torres Gémeas. Os que eram bebés na altura agora são adolescentes. É importante perguntar-lhes se se lembram desse dia e o que sentiram. Depois, há as crianças que não eram nascidas nessa altura, mas vêem a televisão, ouvem falar na escola e não percebem. Por isso, é importante que os pais perguntem: "Ouviste alguma coisa na escola acerca do 11 de Setembro? Algum dos teus amigos falou disso? Viste alguma coisa na internet?" Façam-lhes primeiro estas perguntas e depois vejam o que eles pensam, antes de começarem a explicar-lhes o que se passou.

Já passou por experiências de trauma diversas. As técnicas de intervenção psicológica são as mesmas?
Bem, os miúdos são muito semelhantes em todo o mundo. Claro que há diferenças culturais. Mas, tendo passado por tantas e tão diferentes experiências em várias partes do globo, descobri que há técnicas semelhantes. Usando uma almofada para confortar a criança, abraçando-a sempre. Música e canções vão ajudar as crianças a respirar profundamente e depois, a relaxar. E todas estas técnicas são muito semelhantes em todo o mundo, por muito diferentes que sejamos.

Todas as crianças e todos os adultos querem segurança, querem ter a certeza que não estão sozinhos para enfrentar os seus problemas, que existe esperança de que o mundo possa ser mais seguro, que há ajuda e pessoas que se interessam por eles. É o que todos querem, novos e velhos, em todas línguas e em todos os países.