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"Está tudo por explicar" sobre o avião que caiu no Índico

24 mar, 2014

"O que agora é necessário fazer é descobrir as caixas negras do avião. Será na análise das gravações das comunicações e dos parâmetros de voo que poderemos chegar a conclusões concretas", afirma o comandante Pedro Santa Bárbara, em entrevista à Renascença.

As autoridades da Malásia concluíram que o avião desparecido há mais de duas semanas, com 239 pessoas a bordo, caiu no Oceano Índico, a milhares de quilómetros da rota. Em entrevista à Renascença, o comandante Pedro Santa Bárbara, presidente da Associação de Pilotos de Linha Aérea (APPLA), afirma que continua "tudo por explicar".

Como interpreta os novos dados?
Face ao comunicado das autoridades da Malásia, tudo leva a concluir que o avião depois do seu último report com a torre de controlo – 50 minutos aproximadamente da sua descolagem de Kuala Lampur – perdeu o contacto. Sabemos nós – e são dados concretos – que tinha uma autonomia entre 6 a 7 horas de voo. Agora, chega-se à conclusão que o avião terá caído a Oeste da Austrália, numa rota para Sul. Sendo assim, terá, presumivelmente havido alteração de rota e os destroços estarão numa área remota onde, aparentemente, o avião não teria qualquer possibilidade de aterrar em parte alguma. Esta é a interpretação que faço. É um passo importante na busca desenfreada das últimas duas semanas pela localização do avião, mas está tudo por explicar.

Do ponto de vista da explicação do que aconteceu, não se avançou muito?
Eu direi mesmo que estamos exactamente onde estávamos, ou seja na mesma, em relação às causas do que aconteceu. Da explicação de alteração de rota estamos exactamente no mesmo ponto. O que agora é necessário fazer nesta fase da investigação é descobrir as caixas negras do avião. Será na análise das gravações das comunicações e dos parâmetros de voo que poderemos chegar a conclusões concretas. Até lá não vale a pena emitir ruído, porque tudo quanto se disser sobre as causas será num quadro meramente especulativo.

Sucedem-se também avistamentos de objectos no mar. Sem confirmação não passa de ruído?
Sem dúvida. Estamos a detectar detritos, objectos no mar, mas é preciso chegar junto deles. Mas estamos a falar em posições muito remotas no Índico Sul. Uma vez mais temos de ser muito pacientes, aguardar que os navios lá cheguem para poder fazer esse tipo de observação in loco. Fazer a confirmação visual se esse tipo de detritos podem ser mesmo peças do avião.

Esta parte do oceano Índico é pouco utilizada. Este facto limita a comparação de calendários nas buscas, por exemplo, do A330 da Air France, Rio-Paris?
Julgo que são cenários diferentes. Não conheço esta zona a Sul da Austrália, mas conheço muito bem a área onde caiu o A330 da Air France. Esta área a sul da Austrália é muito menos “voada” por aeronaves. Devo dizer que as águas do Atlântico onde as caixas negras do A330 das Air France foram encontradas são águas muito profundas, da ordem dos 2 a 3 mil metros de profundidade o que, só por si, é um factor que torna muito difícil a localização das caixas negras, o que aconteceu só uns meses depois da localização dos destroços do avião. Partindo do princípio que estas águas do Sul do Índico são também de grande profundidade, a tarefa não se avizinha fácil.

Quanto tempo pode demorar a encontrar as caixas negras?
Há ainda uma situação muito comentada nos media, mas que não correspondente à realidade. As caixas negras não emitem qualquer sinal. As caixas negras não emitem sinais, não têm rádios acoplados. Até porque, devido ao seu peso, ficam depositadas no fundo do mar e as ondas rádio não se propagam depois debaixo de água. O que existe são pequenos emissores rádio de emergência que depois do impacto nas águas são automaticamente accionados e ficam a emitir um sinal de localização, uma onda-rádio de emergência.  Assim, previsivelmente, se confirmado que os detritos são do 777, será delineada uma zona onde, depois, em profundidade, serão procuradas as caixas negras. Quanto tempo é que isso irá levar? Isso não lhe sei dizer.

Como se pode perder um Boeing 777 num mundo de alta tecnologia?
Reconheço ser hoje muito difícil perder o rasto de um avião quando este está a ser visionado no radar. O avião tem um equipamento, o “transponder”, associado a um código e o eco do avião que aparece no radar está identificado por esse código. O controlador sabe assim qual é o avião, a companhia, o destino e a altitude a que voa. Sabe exactamente ao detalhe, por leitura GPS, a altitude. Se eu desligar este “transponder” – e porque é que tenho a capacidade de o desligar? Por razões de emergência que não vou agora elaborar – o que acontece é que o eco do radar não desaparece. O radar é um equipamento que detecta massas metálicas e a massa de um Boeing 777 – um avião com 260 toneladas – é de uma dimensão tal que não passa despercebida ao radar. O radar está sempre a visioná-la. O que acontece – e sublinho ser uma mera especulação – é que se o “transponder”  for desligado não desaparece o eco no radar. O controlador é que deixou de ter a identificação. Deixou é de saber a quem corresponde aquele eco que lhe aparece no écran.

Mas fenómenos imprevistos como uma despressurização pode levar a bruscas mudanças de altitude e colocar o aparelho numa área indetectável pelo radar?
Uma despressurização é um procedimento treinado a toda a hora nos simuladores. Felizmente é algo que acontece numa percentagem ínfima dos voos, mas os pilotos têm de estar preparados. A situação não encerra nenhuma gravidade extrema em si. O que está em causa é o avião começar imediatamente a descer para voar numa altitude que permita ter oxigénio dentro da cabine e permitir às pessoas respirar. 

O controlador pode acompanhar a descida?
Sempre que há uma situação de despressurização, ou outro cenário qualquer que obrigue a uma descida de emergência, se o equipamento estiver ligado, o “transponder”, essa descida será seguida pelo controlador aéreo. O controlador continua a ver que o avião está a perder altitude e para onde se está a dirigir. Esse é o cenário. Por outro lado, sempre que há uma situação de emergência a bordo uma das primeiras acções a tomar pelo piloto é avisar o controlo aéreo de que está com uma situação de emergência e o que pretende fazer. Quais são as suas intenções e que tipo de auxílio pretende solicitar, etc, etc. Nada disso foi feito neste caso do 777. O que nos deixa a interrogação: se não houve tempo para concluir uma comunicação algo de muito extraordinário terá acontecido a bordo que não deu oportunidade a que ninguém comunicasse o que estava a acontecer. A partir daqui são tudo especulações. Podemos especular, mas o que é facto é que ninguém comunicou absolutamente nada. Algo de muito anormal se passou a bordo da aeronave.

Acto deliberado dos pilotos, pirataria, falha catastrófica?
A partir daqui é tudo especulação. Pode ter sido um conjunto de milhares de coisas. O quadro dos factos conhecidos e confirmados não permite mais do que especulação pura e dura.

A opinião pública não está preparada para o tempo de investigação que um acidente deste tipo implica, antes reclamando respostas rápidas....
Sem dúvida. Todos nós na comunidade aeronáutica percebemos a ansiedade do público na procura de respostas. Todos nos interrogamos como é possível, face à quantidade de meios tecnológicos de monitorização de aviões, não termos ainda, ao fim de 15 dias, explicações. De alguma forma, tentei nas respostas anteriores explicar às pessoas que um avião que tem um raio de acção de 6 horas de voo – para se fazer uma ideia é, basicamente, a área dos Estados Unidos da América de uma ponta à outra – e estamos agora a concluir que objectivamente que alterou sua rota, voando para sul – é difícil de detectar num dos Oceanos mais inóspitos do planeta. Se fizermos uma circunferência à volta do ponto onde se perdeu, 6 horas de autonomia de voo correspondente a uma área maior que a dos Estados Unidos da América. Isto para dizer que é extraordinariamente difícil termos garantias da sua localização do avião tendo perdido o alvo, o seu rasto no radar. É extraordinariamente difícil. Por incrível que possa parecer tem de ser pedida à opinião pública alguma calma, alguma ponderação, alguma paciência para se poder chegar, como todo o rigor, a uma conclusão final. E a conclusão final, por vezes, leva muito tempo, por causa de todos estes factores ligados á investigação. Primeiro temos de descobrir as caixas negras, depois proceder à sua análise. Ver se as leituras estão ainda em condições de permitir extrair alguma informação. Portanto, há ainda aqui uma infinidade de processos que têm de ser, todos eles, executados ao pormenor. Donde, vamos ter que ser pacientes, para aguardar uma resposta final. No entanto, a terminar, gostava de sublinhar que voar de avião continua a ser o meio de transporte mais seguro do mundo.