Gertrud Hohler

"Destino de Merkel" será ditado pela Europa do Sul

11 jul, 2013 • Sandra Afonso

Num livro bastante crítico, Hohler explica como é que a “chanceler de ferro” está a ameaçar o futuro da União Europeia, do euro e dos países resgatados, desconstrói a estratégia de Ângela Merkel e explica como chegou ao poder.

"Destino de Merkel" será ditado pela Europa do Sul

Depois da primavera árabe chegou a vez da Europa, os países do sul têm que se defender da estratégia Merkel. É o que defende Gertrud Hohler, consultora económica e política, antiga colaboradora do chanceler Helmut Kohl. De passagem por Lisboa, para apresentar o último livro, a autora defende que a Europa é liderada por uma mulher que nunca se considerou europeia, que esvaziou o próprio partido e cujo único objectivo é angariar poder. A política de austeridade chegou ao nível do absurdo e os cidadãos não aguentam mais, considera.

Num livro bastante crítico, Hohler explica como é que a “chanceler de ferro” está a ameaçar o futuro da União Europeia, do euro e dos países resgatados, desconstrói a estratégia de Ângela Merkel e explica como chegou ao poder.

“Ângela Merkel começou a sua carreira política como porta-voz do último governo da então RDA, estamos a falar ainda de Berlim Leste. Chamou a atenção pela sua postura de criança de olhos muito grandes que seguia com atenção tudo o que se passava, podemos chamá-la de menina bem comportada, também o senhor Kohl reparou nela e chamou a jovem política da antiga RDA para a nova legislatura da então Alemanha já reunificada. Ele sentia que estava a apoiar uma pessoa jovem, vinda de um sistema totalitário, que estava a fazer uma boa obra ao apoiar esta jovem esperança.

Mas não partilha dessa opinião? Pergunto, porque agora descreve Merkel como uma mulher ávida por poder, que fará qualquer coisa para garantir esse poder.
Sim, de facto Angela Merkel acabou por revelar que já não é esta menina bem comportada que todos pensavam. Foi ela que derrotou o então chanceler Kohl, o que nem os delfins do partido tiveram coragem de fazer, eram demasiado fracos. Foi obra dela e só então perceberam que é uma mulher perigosa.

Agora fala em "estratégia M". Que estratégia é esta e como funciona nesta angariação de poder?
A “estratégia M”, da senhora Merkel, começou por uma exploração sobre o panorama partidário na Alemanha e, em particular, das mensagens eleitorais da CDU e o que podia ser utilizado e rejeitado. Fez uma verdadeira exploração no terreno da história do partido, que levou a uma reestruturação do próprio partido, o que ninguém se tinha atrevido a fazer antes dela.

Esta reestruturação no âmbito da estratégia m está a retirar poderes ao parlamento alemão?
Num segundo momento foi o que ela acabou por fazer. Deu menos peso ao Parlamento retirando-lhe cada vez mais poderes. Recolheu ainda as mensagens de todos os partidos políticos que reuniam consenso da maioria da população e atribuiu-as à CDU, ou seja, fez um verdadeiro leasing, um empréstimo destas ideias, e hoje, em 2013, temos uma variedade de mensagens na CDU que antigamente eram defendidas pelos social democratas, pelos verdes e até pela extrema esquerda e pelos liberais do FDP, uma espécie de loja que oferece um pouco de tudo, se quiser comprar alguma coisa encontra lá.

E como é que esta estratégia se revela na União Europeia? Também está a ser aplicada para retirar poderes aos estados membros?
Na União Europeia a senhora Merkel começou por ser chamada de rainha da europa, dos outros países, apenas por governar a nação com mais poder económico na União Europeia, o país do qual se espera mais transferências de dinheiro e aceitou de boa vontade o papel, aproveitou-se disso, convocou muitas reuniões quando percebia que não havia consenso e impôs a sua opinião. Hoje diz-se que se a senhora Merkel não quer então as coisas não passam, mas não é bem assim. Muitas vezes também cedeu, quando a maioria ia noutro sentido. Ela consegue enganar a opinião pública, porque pensam que lidera mas limita-se a caminhar com o rebanho, ela consegue dissimular a sua incapacidade de líder.

Austeridade, destruição de emprego e paralisação das economias mais fracas. Defende que este é o plano de Merkel para Portugal?
Isto está a acontecer nos países submetidos aos programas de ajustamento porque é o preço da ajuda, há mecanismos de controlo que têm de ser cumpridos, a consequência desta política de austeridade é a destruição de postos de trabalho, a ausência de formação para os jovens, a redução dos salários, ou seja, muitos destes países endividados agora nem sequer os juros conseguem pagar, não fica quase nada que possa ser usado no próprio país. Esta é que é a verdade da política da dívida identificada com a senhora Merkel, o “programa Merkel”.

Como consultora económica concorda com esta estratégia para os países em crise como Portugal?
Não estou nada de acordo com esta estratégia, como escrevo no meu livro, e não sou a única. Economistas e empresários também defendem que esta estratégia está a destruir a competitividade dos países endividados. Para a maioria dos estados-membros em dificuldade a moeda comum, o euro, é sobrevalorizado. O problema não pode ser resolvido simplesmente com o envio de cheques para estes países.

Qual seria a solução para estes países, que estão numa situação complicada, já sem empregos e com dívidas para pagar?
O melhor seria dar mais flexibilidade ao euro, porque um euro bom para a Alemanha não é automaticamente bom para Portugal. Na zona euro, isto leva ao empobrecimento de Portugal e de outros estados do sul da europa. Não estamos a fazer o que deveríamos. Os países que mais contribuem, como a Alemanha, põem isso como requisito e tentam transferir direitos de soberania para a União Europeia, impondo a política financeira a estes países em crise, o sistema dual da Alemanha, por exemplo. Estes países o que devem fazer é defender-se desta tendência.

Se Merkel continuar no poder acha que vai destruir o euro?
Não será exactamente a senhora Merkel a destruir o euro, mas este conceito que está a ser seguido. Estamos a comprar tempo com dinheiro e a conduzir estes países a situações limite, ao nível da competitividade, através das agências de rating e do próprio mercado. A situação está elevada ao absurdo, o que faz com que as pessoas estejam na rua, em protesto. Os cidadãos já não podem ver os governos que lhes impõem esta austeridade, são sintomas de desgaste, as pessoas já não conseguem viver assim nem vão tolerar mais austeridade.

E este será o princípio do fim do euro? Esta contestação aliada ao empobrecimento dos países do sul?
Há analistas políticos que defendem que são os manifestantes do sul da Europa que vão determinar se o euro sobrevive. Eu acho isto convincente. No fundo são as pessoas desesperadas que fazem uso do último recurso. Já não têm emprego nem condições para cuidar das crianças e dos idosos, e vão para a rua. Estas manifestações populares têm muita força, como vimos no caso do Egipto na primavera árabe, e vamos assistir na União Europeia. Eu escrevo no final do meu prefácio que a Europa do Sul será o destino da senhora Merkel.

Uma última pergunta, que é também uma resposta aos críticos que têm defendido que este livro é um ajuste de contas com Merkel. É assim?
Um ajuste de contas? Isso é um absurdo! Não tenho contas para ajustar com a senhora Merkel! Não tenho nada pessoal contra ela, o que reparei é que ela mudou, introduziu um novo estilo de governo na Alemanha e de política na Europa e foi esse o motivo que me levou a escrever e foi esse o motivo que me levou a escrever este livro.