Paquete "Funchal"

Sete homens ao abandono

06 dez, 2012 • Anabela Góis

Tudo começou há cerca de dois anos, quando o paquete "Funchal" – que já foi a estrela de uma companha de cruzeiros – foi forçado a recolher aos estaleiros para se actualizar em termos de regras de segurança. O dinheiro acabou a meio do processo. Os trabalhadores que se mantêm a bordo vivem sem dinheiro e aquecimento.

Sem ordenado, subsídio de alimentação ou combustível para se aquecerem, são sete os homens que sobrevivem a bordo do paquete "Funchal", que está imobilizado no cais da Matinha, em Lisboa. Vivem à espera, mas os dias são cada vez mais difíceis. O que vale é a pequena comunidade criada.

"O navio ficou sem cozinheiro desde 25 de Outubro, porque depois não forneceram mais mantimentos. Nós temos um subsídio diário, que também não nos é pago, e vamos fazendo a alimentação do nosso bolso. Vamos vivendo em comunidade, porque temos de estar todos juntos, desde o comandante até ao chegador da máquina", conta à Renascença o comandante do paquete, António Morais.

Tudo começou há cerca de dois anos, quando o "Funchal" – hoje uma sombra do que foi nos anos 80, quando um armador grego o transformou na estrela da sua companhia de cruzeiros – foi forçado a recolher aos estaleiros para se actualizar em termos de regras de segurança. O dinheiro acabou a meio do processo e os homens foram sendo dispensados. Os que são obrigados a ficar não sabem quanto tempo mais vão resistir.

"Temos uma reserva de combustível muito pequena, só para emergências. Estamos a poupar o máximo possível, já foi requisitado o gasóleo para a vida do navio e aquecimento da tripulação, mas, até à data ,não foi fornecido qualquer combustível", indica o comandante, que conhece o paquete desde 2001 e com o qual viajou pelo mundo inteiro.

Aguardam-se novas ordens "e garantias para se continuar". "Ou então, teremos que ir, porque todos nós temos um limite e, quando não se recebe, são mais uns a ir trabalhar para o estrageiro".

O futuro do "Funchal", histórico navio que transportou os restos mortais de D. Pedro IV de Portugal, já era complicado. Após a morte do dono, em Maio, piorou. A empresa proprietária do navio é agora gerida pelos dois filhos (gémeos) de George Potamianos, mas deles não há sinal. Não respondem aos pedidos dos tripulantes, nem aos do Sindicato dos Trabalhadores do Mar.

"Isto não se faz a seres humanos"
O caso do paquete "Funchal" não é único. Os seus donos têm mais quatro navios de cruzeiro arrestados - em França, no Montenegro e na Grécia - por dívidas a empresas e instituições bancárias.

"[O paquete "Funchal"] é um caso que não tem comparação em Portugal. Vim para o mar em 1967 e não me passa pela cabeça tanta gente abandonada", afirma à Renascença o presidente da Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores do Mar, Alexandre Delgado.

"Vamos tentar assegurar os salários e despesas das pessoas e, eventualmente, pedir indemnizações cíveis, porque isto não se faz a seres humanos", adianta o sindicalista.

O futuro destes navios, todos de bandeira portuguesa, é cada vez mais incerto. Apesar dos esforços da Renascença, não foi possível chegar à fala com os proprietários - os gémeos Alexandros e Emilios Potamianos. O especialista em história naval Luís Correia considera que o "Funchal" vai acabar na sucata.

A empresa detentora dos navios foi sustentada até há pouco tempo por um empréstimo do Montepio Geral. Contactado pela Renascença, o banco não quis falar sobre o assunto, limitando-se a dizer que "não tem qualquer relação económica com a sociedade detentora do navio 'Funchal', além da normal relação cliente/banco".