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Um país que não quer mais impostos

07 set, 2012 • Matilde Torres Pereira

O primeiro-ministro anunciou um novo aumento dos impostos para os trabalhadores. A decisão surge num altura em que é cada vez maior o número de vozes a dizer "basta".

Um país que não quer mais impostos

Passos Coelho anunciou mais austeridade e mais impostos para os trabalhadores, apesar de aliviar as contribuições das empresas para a Segurança Social. Da esquerda à direita, da banca aos parceiros sociais, passando pelos históricos ex-dirigentes dos partidos, pelos comentadores políticos e mesmo pela própria comunicação social, a contestação ao aumento da carga fiscal é cada vez maior.

As vozes da discórdia começaram dento do próprio Governo, com o CDS-PP, partido da coligação, a afirmar pela voz do líder Paulo Portas que "o nível de impostos já atingiu o seu limite". A frase surge numa carta enviada há semanas aos militantes centristas, em que Portas diz ainda que é "dever" do Governo "pugnar por uma política fiscal selectiva, competitiva e favorável à família, à empresa e ao trabalho". Certo é que o aumento de impostos avançou mesmo e o entendimento entre CDS e PSD talvez tenha sido possível devido à redução da contribuição das empresas para a Segurança Social.

O presidente da EDP, António Mexia, defende que "a solução de mais impostos sobre o sector privado não faz sentido". No sector da banca, o presidente do BPI chega a dizer que "mais impostos são uma ameaça a Portugal".

O presidente do governo regional da Madeira, Alberto João Jardim, deixou recentemente um aviso ao primeiro-ministro. "Nós atingimos o limite e o regime político está a viver da grande força daqueles que o controlam, mas a paciência das pessoas tem limites."

Entre os "históricos" da política nacional, o antigo líder do CDS Adriano Moreira também se pronunciou há dias sobre a possibilidade de mais sacrifícios para os portugueses, alertando para o perigo da "fadiga tributária".

A linha que separa socialistas de sociais-democratas
Um dos mais críticos é Mário Soares, para quem mais medidas de austeridade significam "mais cortes, mais pessoas a sofrer, com mais dificuldades e mais desemprego". Para Soares, é essa linha que separa PSD e PS.

Que o diga António José Seguro, líder do Partido Socialista, que tem sido constante na crítica ao excesso de sacrifícios. "A austeridade, custe o que custar, não é solução", defendeu esta semana.

Também entre os socialistas, a eurodeputada Edite Estrela concorda e defende ser "urgente" que o Governo peça "o alargamento dos prazos" e renegocie as metas acordadas com a "troika". "Uma tal 'overdose' de austeridade deprimiu a economia e matou o emprego. Foi um enorme erro estratégico", acusou a eurodeputada.

Mais à esquerda, Jerónimo de Sousa sustenta que o plano de assistência financeira é um "pacto de agressão e não tem dúvidas que traz mais austeridade e mais sacrifícios nos salários, nas reformas e nas pensões. Para o líder comunista, nem mais tempo resolve o problema: é uma "aspirina" num caso de "pneumonia".

"Já chega"
Do lado dos patrões, o aumento de impostos também não é visto com bons olhos. A Confederação do Comércio, por exemplo, quer um reajustamento do memorando com a "troika".

"Ou há agravamento da carga fiscal - e isso vai acelerar ainda mais a depressão da economia, o que é mau, quer em termos das empresas, quer em termos do emprego - ou então vão ter de ser encontrados ajustamentos adequados em termos de financiamento e prazos", considera a Confederação do Comércio.

O presidente da Confederação Empresarial de Portugal - CIP partilha da mesma opinião. “Já chega de carga de impostos", considera António Saraiva.

"Há uma carga fiscal e parafiscal, que tem sido suportada pelas empresas e pelas famílias, que já extravasou o razoável e é pela redução da despesa que se deve fazer caminho", defende o líder da CIP.

Medidas "maléficas"
Há académicos que também já defenderam publicamente soluções alternativas ao aumento de impostos. Carlos Bastardo, professor de Economia do Instituto Superior de Economia e Gestão, diz que "não faz muito sentido" mais medidas de austeridade, "porque vão ser maléficas".

O fiscalista Guilherme d’Oliveira Martins lembra que há uma margem de mil milhões de euros em benefícios fiscais a que o Governo pode recorrer para não ter de impor tantas medidas de austeridade. Para o presidente do Tribunal de Contas, este dinheiro deve ser canalizado para medidas de criação de emprego, caso contrário o Governo corre o risco de perder a credibilidade do programa de ajustamento.

Na sociedade civil, e a juntar a voz ao coro, o jornal "Diário Económico" lançou esta sexta uma petição pública contra mais impostos.

Penalizar quem tem mais
Há ainda quem aceite uma solução que possa passar por mais impostos, mas dirigidos sobretudo a quem tem mais posses. É o caso de Freitas do Amaral, que defende uma tributação pesada sobre as fortunas.

"Os impostos sobre o património, sobre o consumo e produtos de luxo, que estão previstos na Constituição, e outros impostos sobre actos e contratos que entretanto se desenvolveram e permitem ganhar fortunas, como transacções financeiras, operações urbanísticas e por aí fora, tudo isso devia ser objecto de um pacote que tivesse como objectivo a justiça fiscal", sublinha o fundador do CDS.

O Presidente da República não exclui a possibilidade de mais impostos, mas voltou esta sexta-feira a sublinhar a importância da equidade fiscal, afirmando que "só se podem considerar para acréscimos de sacrifícios aqueles que não os suportaram até este momento". Ou seja, a haver mais carga fiscal, deve-se evitar penalizar os mesmos de sempre, segundo Cavaco Silva.

Por sua vez, o economista Miguel Cadilhe defende a criação de um novo imposto que tribute cerca de 4% da riqueza do país e que deve ser pago por todos os portugueses de uma só vez, classificando-o como um "tributo de solidariedade". Ainda assim, o ex-ministro é contra os cortes nos subsídios de Natal e de férias.

[artigo actualizado às 19h54]