Impostos

Como se pode pôr os ricos a pagar mais impostos?

26 ago, 2011 • Mara Dionísio

As personalidades ouvidas pela Renascença dizem que sim, mas receiam os efeitos da medida. Pedem tacto político e uma reflexão sobre as consequências do aumento de impostos. Joe Berardo, que pode ser afectado pela medida, alerta para a fuga de capitais. "Se eles não querem que a gente continue a investir aqui, posso ir para outro país", diz.

A ideia partiu do multimilionário americano Warren E. Buffet e já atravessou o Atlântico. A França agravou os impostos para quem ganha mais de 500 mil euros por ano, a Espanha pensa fazê-lo. Em Portugal já se começa a discutir o mesmo e o tema deve ser debatido para a semana no Parlamento. Mas será que é possível pôr os ricos a pagar mais em Portugal?

Os peritos ouvidos pela Renascença dizem que sim e abrem duas possibilidades: imposto extra através do IRS ou tributação do património.

Medina Carreira coloca algumas reservas quanto à hipótese do IRS – o escalão máximo actual é de 46,5%. O ex-ministro das Finanças considera que uma subida da taxa faria com que “gente que não é verdadeiramente rica, mas que ganha bem trabalhando, acabaria por sobrecarregar verdadeiramente os não ricos”.

E para se ser considerado rico em Portugal, diz o fiscalista Samuel Fernandes de Almeida, não é preciso muito, já que “sendo as pessoas tributadas sobre o rendimento, e não havendo a tributação de alguns activos como a detenção de casas, aviões, obras de arte, jóias, qualquer pessoa hoje que tenha rendimentos acima de 100 mil euros será certamente rico para efeitos fiscais, porque está a tocar no limite do escalão máximo do IRS”.

Mas mesmo quem está a tocar no escalão máximo não é obrigado a declarar rendimentos de capitais, juros de depósitos e dividendos na declaração de impostos. Estes estão sujeitos a uma taxa liberatória de 21,5%.

E quanto à hipótese de taxar o património dos mais ricos? Seguindo esse caminho, sublinha Medina Carreira, “corre-se o risco de não se apanhar património ou de estimular a fuga dos patrimónios”. Por isso, alerta o ex-ministro, a hipótese de taxar adicionalmente os mais ricos “é um problema de opção política muito delicado”.

Taxar todos os rendimentos por igual
João Duque, presidente do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), diz que há uma forma relativamente simples de o fazer. “Se a taxa de IRS fosse aplicada de forma integral a todos os tipo de rendimentos[trabalho e capitais], não tenhamos dúvidas que as pessoas com mais dinheiro pagavam muito mais imposto”, defende.

Seguindo esta fórmula, os contribuintes teriam de consolidar “na sua declaração de IRS, por exemplo, os rendimentos dos seus capitais, dos depósitos, obrigações, dos dividendos”, para depois se aplicar “a taxa de IRS à totalidade”.

Por isso, diz João Duque, é preciso cuidado com esta medida, porque é preciso assegurar que as pessoas “depois não vão levantar os seus depósitos para os depositar num banco que não aplica esse tipo de regras”. “Não se pode pensar que Portugal tem uma fronteira física: os capitais saem e entram”, lembra.

Para o fiscalista Samuel Fernandes de Almeida, um dos caminhos pode ser alargar a base tributária, ou seja, “nivelar mais por alto alguns tipos de rendimento de capitais e, por outro lado, simplificar o regime em sede de IRS, tentando desagravar alguns rendimentos”.

Mas também esta hipótese tem uma limitação: uma reforma fiscal como esta teria provavelmente como implicações, no primeiro ou segundo ano, uma diminuição das receitas e Portugal não tem folga orçamental para implementar uma reforma desse género”.

A terceira via: e se Portugal baixasse impostos para captar fortunas?
O economista João Duque lança ainda uma terceira via. Em vez de aumentar impostos para os mais ricos, Portugal, hipoteticamente falando, podia optar pela estratégia contrária: “Baixar as taxas sobre os rendimentos de capital para os ricos da Europa começarem a perceber que Portugal é que é o país certo. Passávamos a ter mais ricos a depositar em Portugal, os bancos ficavam muito melhores, podíamos baixar a taxa, ganhando muito mais no cômputo geral”.

O fiscalista Samuel Fernandes de Almeida coloca reservas. “Seria bom que os nossos problemas se centrassem apenas na circunstância do nosso sistema fiscal ser, por um lado, injusto, e, por outro, complexo e moroso. Se esses fossem os nossos problemas, seriam relativamente simples de resolver. O nosso problema vai muito além disso. A quem fez essa afirmação [baixar impostos para captar fortunas] eu responderia: quem seria, neste momento, o investidor que poria dinheiro em Portugal?”.

A “fragilidade” do nosso sistema financeiro, os “gravíssimos atrasos estruturais” e a “morosidade na justiça” são travões ao investimento. “Quando penso investir não penso se a taxa é 10% ou 15%”, acrescenta Samuel Fernandes de Almeida. “Há países que tem taxas nominais muito mais elevadas e que capturam muito mais capital do que Portugal.”

Joe Berardo: "Se eles não querem que a gente continue a investir aqui, posso ir para outro país"
O comendador Joe Berardo, que segundo a revista exame é o 12.º homem mais rico de Portugal, com uma fortuna avaliada em 542,1 milhões de euros, diz que o país atravessa “um período muito difícil”. Todos nós temos que fazer o sacrifício”.

Ainda assim, Joe Berardo argumenta que são “os ricos que pagam mais taxa”. Embora não queira dizer à Renascença quanto paga por ano em impostos, o fundador do Museu Berardo diz que não se trata só de pagar o IRS - “pagam-se depósitos nas rendas, nos juros dos bancos paga-se adiantado até”. “É muito dinheiro que pago”, refere ainda.

Por outro lado, Joe Berardo alerta para o perigo de fuga de capitais caso aumente a carga fiscal. “Tenho que zelar pelos meus interesses”, diz. “Desde que vim para Portugal, trouxe grande parte do meu capital, que veio de outras partes do mundo. Agora se eles não querem que a gente continue a investir aqui, posso ir para outro país”, argumenta.

“Há tantos países que querem que eu vá”, conclui Joe Berardo.

Ricos portugueses pagam muito ou poucos impostos?
Na opinião do fiscalista Jaime Esteves, da PricewaterhouseCoopers, “neste momento, diria que a tributação tende a ser equitativa, ou seja, durante os últimos dois três anos tivemos um aumento significativo da taxa marginal”.

Este fiscalista lembra que o “IRS começou com taxas marginais substancialmente mais baixas, de 40%, e foram subindo. Neste momento, com a sobretaxa para 2011, a taxa marginal máxima já se aproxima dos 50%”.

Jaime Esteves lembra também “que as mais-valias, nomeadamente as mobiliárias, não eram objecto de tributação e, neste contexto de crise, passaram-no a ser também”.

Portanto, considera “parece-me que não se possa dizer que, em geral, os ricos não estejam a ser tributados”.