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Fátima Barros

"Vivemos anos de uma gestão desastrosa e danosa"

16 mai, 2012 • Carla Caixinha

A directora da escola de negócios da Católica considera que Portugal está a "pagar a factura dos erros do passado". Em entrevista à Renascença, Fátima Barros aconselha ainda o Governo a ser franco e a manter os portugueses conscientes das dificuldades.

"Vivemos anos de uma gestão desastrosa e danosa"
A directora da Católica Lisbon School of Business diz que o Governo deve manter os portugueses conscientes das dificuldades, mas acrescenta que também é necessário que o Executivo liderado por Passos Coelho "aponte um caminho" e "ajude a ver a luz ao fundo no túnel". Fátima Barros, que lidera uma instituição que forma gestores, sustenta que o país enfrentou uma gestão "desastrosa" e defende que "as pessoas devem ser responsabilizados pelas consequências dos seus actos". "Existe uma certa impunidade e, enquanto isso acontecer, vamos continuar a encontrar surpresas desagradáveis e buracos financeiros."


Como olha para a gestão do país feita nos últimos anos?
Vivemos anos de uma gestão desastrosa que nos conduziu à situação de hoje. Lembro-me de uma altura dizer que Governo tinha um discurso complemente irrealista: já toda a gente via o país a afundar e este continuava a dizer que não, que a situação estava controlada. Tivemos uma gestão danosa e isso provocou danos irremediáveis. Aliás, estamos neste momento a pagar a factura dos erros do passado.

As previsões de recuperação deste Governo são optimistas ou realistas?
É difícil dizer, mas considero serem importantes duas coisas: temos de ser francos e sinceros face à situação que atravessamos e é preciso apresentar sinais positivos, porque as economias funcionam melhor se os agentes económicos tiverem expectativas mais optimistas. Portanto, é importante que o Governo mantenha os portugueses conscientes das dificuldades, mas também que aponte um caminho e ajude a ver a luz ao fundo no túnel, porque as pessoas precisam também de ter uma expectativa de que vamos sofrer, mas que vamos conseguir.

Acredita na recuperação?
Com certeza que acredito. Um sinal disso é as exportações estarem a reagir de uma forma muito positiva. A única questão é não sabermos quanto tempo vai demorar e à nossa volta há muita incerteza - a Europa está a atravessar uma situação de grande incerteza, que obviamente vai ter implicações numa pequena economia aberta como a nossa, nomeadamente a situação em Espanha. 

Surgiram várias as polémicas associadas à má gestão em Portugal. O que fazer para melhorar?
A primeira coisa é termos pessoas competentes nos lugares de liderança. E isso significa termos uma cultura de meritocracia, ou seja, os lugares devem ser ocupados tendo por base competências técnicas e não por qualquer tipo de ligações partidárias ou outras. Temos de ter também aquilo que em inglês se costuma designar 'accountability': as pessoas devem ser responsabilizadas pelas suas decisões e pelas consequências dos seus actos. Creio que muitas vezes existe uma certa impunidade e, enquanto isso acontecer, vamos continuar a encontrar surpresas desagradáveis e buracos financeiros.

O país está a precisar de bons políticos ou de bons gestores?
De ambos. O país precisa de bons gestores, sem dúvida alguma, e creio que a Católica, ao longo destes 40 anos, tem contribuído para isso. Relativamente aos políticos, não podemos fazer muita coisa, mas um dos grandes problemas está relacionado com a própria forma como o país tem gerido a classe política: as pessoas têm de ter incentivos para poderem ir para o Governo. Sabemos que há muitas que não podem aceitar cargos políticos porque as remunerações em cima da mesa são demasiado baixas e elas têm compromissos. Acho ridículo os limites que temos para a remuneração dos políticos e, obviamente, isso implica que normalmente os que acabam por ir - não digo todos, mas em geral - não são aqueles que, na maior parte dos casos, têm melhores oportunidades cá fora.

Vai custar deixar o ensino? Está indicada para ser a nova presidente da Anacom, a autoridade reguladora das comunicações...
Os anos que passei como directora [da Católica Lisbon School of Business] foram muitos ricos. Tenho pena de me afastar um bocadinho deste projecto, que é riquíssimo e tem grande dinamismo. Saio com a ideia que, de alguma maneira, cumpri a minha missão e que vai ser muito bom que um novo director, cheio de energia e vontade, com novas ideias e visão, assuma estas funções, pois acredito que as instituições devem ter renovação.

O que espera deste novo desafio?
Vai ser um ser um desafio grande. Vai ser uma experiência completamente diferente, mas ao mesmo tempo vai-me permitir actuar como uma economista: nos últimos anos estive à frente de uma escola de gestão e economia onde tive funções mais de gestão. Agora vou voltar às minhas origens, pois sou uma economista de formação e na minha área de investigação sempre me ocupei de questões ligadas à concorrência e à regulação. Portanto vai ser uma oportunidade extraordinária de poder trabalhar nesta área e contribuir, espero eu, do desenvolvimento dos mercados nas áreas em que estarei envolvida. 


perfil
FÁTIMA BARROS
É directora da Católica Lisbon School of Business desde 2004 e é licenciada em Economia pela Universidade Católica Portuguesa. Completou o mestrado em Economia na Université Catholique de Louvain, na Bélgica, em 1989, foi "research student" na London School of Economics (1990) e obteve o doutoramento em Economia na Université Catholique de Louvain em 1993. Desenvolveu trabalhos de consultoria nas áreas de telecomunicações e distribuição automóvel. Os seus trabalhos de investigação incidem sobre problemas de estratégia, política de concorrência, regulação de mercados e contratos de incentivos. Prepara-se para assumir a presidência da Anacom.