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Como fica a greve depois da greve que quase todos criticaram?

11 mai, 2015 • Ricardo Vieira

Ex-líder da UGT fala numa paralisação quase “ridícula” e que desgasta o direito à greve. Daniel Oliveira vai mais longe: o protesto dos pilotos é a “negação do sindicalismo”.

Como fica a greve depois da greve que quase todos criticaram?
Foi o próprio sindicato que reconheceu que "praticamente o país inteiro" estava "unido contra os pilotos". A greve pôs Portugal a falar da TAP, mas o filme ainda terá próximos capítulos.
João Proença tem décadas de luta sindical, mas não compreende a greve “quase ridícula” dos pilotos da TAP. Daniel Oliveira, do partido de esquerda Livre/Tempo de Avançar, toma, pela primeira vez, posição contra uma paralisação de trabalhadores: a greve que terminou no domingo é a “negação do sindicalismo”.

O protesto de dez dias convocado pelo Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil (SPAC) é um dos mais polémicos e zurzidos das últimas décadas em Portugal. Uniu a opinião pública – da esquerda à direita, do meio sindical aos patrões – e dividiu a própria classe dos pilotos.

Considerada a última arma dos trabalhadores, será a paralisação dos últimos dias no grupo TAP um tiro no pé da “instituição” greve?
João Proença, antigo líder da central sindical UGT, admite que “desgasta”, mas defende que a greve é “sempre um direito legítimo dos trabalhadores” numa sociedade democrática. Por isso, não pode ser posta em causa.

Daniel Oliveira confessa que esta foi a primeira vez que tomou posição pública contra uma greve. Porquê? Porque entende que ela é a “negação do sindicalismo”. Só não afectará fortemente o direito à greve, acredita o comentador político, porque teve uma “baixa adesão”.

“A maioria dos pilotos percebeu como o seu isolamento, o isolamento do seu sindicato na marcação desta greve, ia contra as suas próprias pretensões”, afirma Daniel Oliveira.

A paralisação atingiu cerca de 30% dos voos previstos, de acordo com os dados avançados diariamente pela TAP. Os pilotos avançaram com números superiores, mas, para João Proença, “é evidente” que a paralisação “dividiu” os trabalhadores da TAP e os próprios pilotos.

“Era costume, sempre que havia uma greve dos pilotos, a adesão ser praticamente total. É evidente que esta greve não teve adesão total dos pilotos. Foi uma greve ridícula, quase, e vai ter consequências dentro do próprio sindicato”, prevê o antigo homem forte da UGT.

A Renascença tentou ouvir a posição do SPAC, que não respondeu a um pedido de entrevista. Mas, em conferência de imprensa, na sexta-feira, o dirigente sindical Hélder Santinhos admitiu que, “praticamente, o país inteiro uniu-se contra os pilotos”.

A greve dos “candidatos à privatização”
Daniel Oliveira aponta dois pecados ao protesto do SPAC: não é solidário, na medida em que “prejudicava os restantes trabalhadores em favor de um grupo pequeno”; e, na prática, é uma “tomada de posição” dos pilotos como “candidatos a uma privatização”.

O antigo secretário-geral da UGT fala num protesto de contornos pouco claros. “É uma greve que não apareceu fundamentada, dá ideia que há motivos um pouco ocultos, escondidos, por trás da greve”, critica.

O SPAC não fecha a porta a uma nova paralisação. João Proença defende que “há que saber utilizar bem este tipo de arma”. E deixa um conselho: “Os trabalhadores têm que ter presente que há muitas pessoas que pretendem atacar e limitar o direito à greve em Portugal. Desta forma, acaba por enfraquecer a utilização deste direito legítimo dos trabalhadores.”

A greve foi “péssima”, mas teve “pelo menos o efeito positivo” de mostrar que a TAP é “muitíssimo importante para a economia portuguesa” e não deve ser privatizada, defende Daniel Oliveira.

O Governo e todos os que defendem a venda da transportadora aérea, conclui, têm que “meter a viola no saco” e, pelo menos, “confessar aos portugueses que a privatização da TAP tem enormes riscos para a economia portuguesa.”