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Reportagem multimédia

Empregos refúgio. "Mil vezes fazer isto do que estar em casa"

06 mai, 2015 • Marília Freitas

Uma empregada de limpeza, um taxista e um funcionário de "call center". Nenhum deles sonhou com estes empregos, mas depois de anos à procura, agarraram a única oportunidade que lhes apareceu. Chegaram a um ponto em que "o que se quer é trabalhar".

Empregos refúgio. "Mil vezes fazer isto do que estar em casa"
Em Abril de 2010 Cristiana Rodrigues ficou sem trabalho. A empresa onde trabalhou mais de 20 anos na área da contabilidade declarou insolvência. Seguiram-se várias formações, inúmeros currículos enviados e apenas uma entrevista. Aos 50 anos, Cristiana aceitou a única oportunidade que apareceu: ser empregada de limpeza.
Foram três anos e dois meses sem trabalhar. "É muito tempo". Cristiana Rodrigues faz as contas, enquanto acaba de limpar "foyer" do Theatro Circo, em Braga. Está aqui desde Junho de 2013. No currículo, esta é a primeira experiência em limpezas. Durante mais de 20 anos, trabalhou na área da contabilidade, mas chegou a crise e a empresa onde trabalhava declarou insolvência.

 

Por conhecer a situação financeira da empresa, Cristiana foi-se mentalizando que um dia iria ser como aquelas pessoas que via na televisão, a contar como tinham perdido o emprego. Na altura, já comentava com as colegas: "Se isto não der, nem que seja limpar".

"E aconteceu", desabafa. Em Abril de 2010, ficou sem trabalho. Seguiram-se várias formações, inúmeros currículos enviados e apenas uma entrevista. Aos 50 anos, Cristiana aceitou a única oportunidade que apareceu: ser empregada de limpeza. Conta que "chega-se a um ponto em que o que se quer é trabalhar" e, assim, preferiu "mil vezes isto do que estar em casa".


Cristiana trabalha há dois anos nas limpezas

 

Uma questão de necessidade
Mário Viana já desistiu de procurar o emprego de sonho. Busca apenas um trabalho com um salário melhor.

Recebe pouco mais de 600 euros por mês. Passa o dia a atender chamadas, a dar apoio a clientes. São entre 50 a 70 telefonemas por dia. Ouve de tudo, "desde clientes alegres e calmos, a clientes que choram porque não conseguem pagar as facturas".

Tem 28 anos e dois cursos técnico-profissionais - em informática e desenho técnico - que lhe deram equivalência ao 12º ano. Há dois anos que trabalha num "call center".

No trabalho, tem muitos colegas com histórias semelhantes. "Geralmente, são pessoas que não têm oportunidade de fazer aquilo para que foram formadas ou de que realmente gostam e arranjaram um trabalho e estão lá".

Mário já trabalhou em três lojas diferentes, sempre no atendimento e vendas ao público. Quando acabou o 12º ano, chegou a estagiar numa empresa. A partir daí, não teve mais nenhuma oportunidade de emprego na área. Passou um ano e meio a enviar currículos, ainda pensou em emigrar, "mas tinha tudo aqui". Foi quando conseguiu a colocação no "call center". Era uma necessidade.



"Um 'downgrade' violentíssimo"

Primeiro o preconceito. Um ex-empresário que virou taxista nem sempre é bem visto pelos novos colegas. Depois, o sentimento de retrocesso. Para alguém que, durante anos trabalhou em multinacionais, viajou e teve uma empresa por conta própria, estar  a conduzir um táxi "é um 'downgrade' violentíssimo". Mas, ao mesmo tempo, é um refúgio. As horas passadas dentro do carro não lhe permitem pensar em mais nada e o dinheiro, mesmo que pouco, começa a entrar lá em casa.

A história é contada por José Santos, taxista há cinco meses no Grande Porto. A adaptação que não tem sido fácil. "É talvez dos exercícios mais difíceis que tive que superar", confessa.

José enumera dificuldades, ao mesmo tempo que lamenta não ter sido recebido como esperava pelos colegas. "Há coisas que é preciso aprender e não se explicam. Há ruas que têm os números ímpares a subir e outras que têm a descer. Tantas coisas que são básicas, mas que podem causar interferências", partilha.

O táxi foi o refúgio que encontrou, depois de quase uma década de desemprego. A empresa que tinha por conta própria fechou em 2007. Seguiram-se dívidas, a penhora da casa, do carro e de outros bens. "Foi uma violência, uma catástrofe", recorda.

Inscreveu-se no IEFP, mas nunca foi chamado para uma entrevista. "Disseram-me que o meu currículo era demasiado completo para alguém me poder contratar", explica.

Por ser empresário, não teve direito a subsídio de desemprego. Durante cerca de cinco meses, recebeu o Rendimento Social de Inserção (RSI). Porém, depois de começar a trabalhar, a Segurança Social informou-o de que esse RSI tinha sido pago indevidamente e que, por isso, o seu salário seria penhorado. "Gera uma revolta, é quase insustentável", desabafa.



José tem trabalho, mas continua a faltar-lhe dinheiro. Recorre à ajuda de amigos, familiares e da Cruz Vermelha para sustentar a família. Tem três filhas, duas já com cursos superiores. "O meu sonho era conseguir licenciar a mais nova". Por isso, e com a mulher também desempregada, continua insistentemente à procura de um trabalho melhor. Acredita que "os relacionamentos são uma fonte inesgotável" e que existem "pessoas que precisam de alguém" como ele. Tem esperança que contar a sua história possa ajudá-lo.

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