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O dia em que o trabalho se misturou com a liberdade

01 mai, 2013 • Cristina Nascimento

A 1 de Maio de 1974, o primeiro dia do trabalhador assinalado de forma livre em Portugal ao fim de 48 anos, reivindicava-se um salário mínimo de 6.000 escudos e uma semana de trabalho de 40 horas.

O dia em que o trabalho se misturou com a liberdade
Fonte: Revista Flama, 10 Maio de 1974

"Respirava-se liberdade, uma enorme alegria, esperança e fé no futuro." Júlia Pires recua no tempo quase quatro décadas, tinha então 22 anos e era estudante de Direito em Lisboa. Foi uma entre milhares que a 1 de Maio de 1974 participaram na manifestação do dia do trabalhador. Tinham passados apenas seis dias desde a Revolução dos Cravos e, pela primeira vez ao fim de 48 anos, os portugueses puderam assinalar o dia que lá fora já se celebrava desde o século XIX.

O calendário ditava a efeméride do trabalhador, mas para os milhares de portugueses que saíram à rua o dia era mais o da liberdade. "Eu tenho imagens desse dia, de milhares e milhares de pessoas, e estou convencida que houve pessoas que nunca mais saíram à rua. Lembro-me das pessoas penduradas nas janelas, com faixas, com cravos vermelhos", descreve Júlia Pires.

Nesse dia, em Lisboa, os caminhos cruzaram-se todos no Estádio da FNAT (Federação Nacional para a Alegria no Trabalho), actualmente o Estádio 1º de Maio, onde discursaram várias personalidades, entre as quais Mário Soares e Álvaro Cunhal. "O que senti foi uma explosão de alegria, mas também de combate, porque as pessoas ganhavam muito mal. Havia também a questão da Guerra Colonial e a possibilidade de acabarmos com ela", recorda Fernando Barão, na altura um jovem estudante de 20 anos.

No que diz respeito a reivindicações laborais, o 1º de Maio de 74 fica marcado por duas. Os salários eram muito baixos e "já era bom ganhar-se 3.000 escudos", explica Júlia Pires. "Havia uma reivindicação para que o salário mínimo fosse de 6.000 escudos." A outra luta era por uma jornada de trabalho de 40 horas por semana.

Em Portugal, o dia do trabalhador começou por ser assinalado durante a 1ª República, mas sem grande expressão. Entre 1926 e 1974, houve um interregno. Durante a ditadura, era tudo clandestino.

"Havias as iniciativas da Intersindical [CTGP] e as do MRPP [Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado]. Reivindicava-se o fim da Guerra Colonial e o fim da ditadura", lembra Fernando Barão. "Eram convocadas por actividade panfletária, por correios clandestinos. E as pessoas depois já sabiam que naquele dia, à hora X, já havia uma manifestação", afirma. Mas estas não eram as únicas iniciativas: havia outras, rápidas e pontuais - as "flash mob" de então. "Lembro-me que num 1 de Maio, na Estrada de Benfica, pintaram os eléctricos todos de vermelho, num tipo de acção rápida."


As origens do 1º de Maio
O dia do trabalhador começou a ser assinalado anualmente a partir de 1 de Maio de 1886 nos Estados Unidos, país que mesmo antes desta data já tinha movimentos de trabalhadores e movimentos grevistas, explica à Renascença a historiadora Irene Pimentel. O dia assinalou-se com uma manifestação de trabalhadores nas ruas de Chicago, reivindicando a redução da jornada de trabalho para oito horas por dia.

As comemorações do dia do trabalhador chegaram à Europa uns anos mais tarde. Em 1889, na reunião da segunda internacional socialista, que se realizou em Paris, decidiu-se convocar anualmente uma manifestação com o objectivo de lutar pelas oito horas de trabalho diário. A data escolhida foi o 1º de Maio, como homenagem às lutas sindicais de Chicago.

E Portugal? "O 1º de Maio foi comemorado na Primeira República [1910-1926], mas não muito", explica Irene Pimentel, acrescentando que a "comemoração foi proibida" quando começou o Estado Novo. "Aliás, o próprio dia foi proibido e deixou de ser feriado."

Com o fim da ditadura, o dia do trabalhador voltou a ser assinalado anualmente em Portugal.