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Especial Informação

‘Fukushima monetário’ precipita fim do euro?

28 out, 2012 • José Bastos

Pedro Brás Teixeira e Luciano Amaral olham para o futuro da moeda única.

‘Fukushima monetário’ precipita fim do euro?

Fórum Mundial de Davos, Janeiro de 2008. A economia recupera do susto causado pela falência do Leehman Brothers. Nesses dias, em contra-corrente, dois economistas Ken Rogoff, de Harvard e Wim Buiter, do Citigroup, alertam para o risco da crise bancária se transformar em crise económica e, a seguir, vir uma fenomenal crise de dívida pública, dessas que se dão uma vez em cada século.

Rogoff e Buiter antecipam na altura que os Estados Unidos vão contornar a tempestade, porque a Reserva Federal fará o necessário, lançando dinheiro de um helicóptero se preciso, mas que a Europa se afundará num pântano, vítima de uma Banco Central incapaz de reagir contra os dogmas, um governo económico ausente e de uma crise económica que é também ideológica. Sobrevirá então o momento em que a Alemanha terá de assumir se quer salvar o euro e esta versão de União Europeia.

Já é chegado este momento antecipado, entre outros, em Janeiro de 2008, por Ken Rogoff e Wim Buiter?
Luciano Amaral, Professor da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, sustenta que “as soluções que estão a ser seguidas apenas adiam a união orçamental ou a desagregação. Qual é o problema da união bancária? A Alemanha suspeita, e todos nós já percebemos que é assim, que a união bancária, em última instância, é uma espécie de união orçamental por via escondida, porque o mecanismo de estabilidade europeu é baseado nos orçamentos nacionais. A tensão do momento na Europa é entre a força para a união orçamental e a força para a separação destes países. A actual via intermédia que está a ser seguida pelas autoridades é apenas um adiamento da aplicação de uma destas duas soluções”.

“No Orçamento Federal, o cenário seria a Alemanha e outros países serem contribuintes líquidos de Portugal, da Grécia e de outros países. Esse quadro é politicamente impossível. Como convencer um mineiro alemão, um agricultor alemão, um operário, a contribuir para a Grécia que é considerada - com razão - um poço sem fundo. Para o eleitorado alemão é difícil perceber. Julgo que a Europa enfrente sérios riscos de desagregação” defende Pedro Brás Teixeira, economista, investigador do NECEP, núcleo de estudos económicos da Universidade Católica e autor do livro “o fim do euro em Portugal”.

Pedro Brás Teixeira, ex-adjunto da então Ministra das Finanças Manuela Ferreira Leite, não acredita na suavização dos efeitos do adeus da Grécia ao Euro. “É impossível criar um muro de protecção à volta da Grécia. Entendo que a saída da Grécia da zona euro irá levar – devido aos créditos que tem – à falência de todos os bancos centrais da zona euro. Em particular do Bundesbank. Quando os alemães virem que o seu querido Bundesbank faliu devido à Grécia imagine-se como irão reagir. Não consigo perceber porque é que este cenário não é abordado. Os capitais próprios dos bancos centrais europeus são muitíssimo inferiores aos créditos da Grécia. A Grécia não vai conseguir pagar. É impossível a Grécia conseguir pagar aqueles créditos e, portanto, qualquer pequeno perdão que se conceda à Grécia vai limpar esses capitais próprios dos bancos centrais. Tenho dificuldade em perceber porque que é que este tema não é referido. Talvez por não ser demasiado agradável” afirma o economista.

“O fim do euro será um grande retrocesso. A confirmar-se esse cenário, a construção desta união monetária terá sido um passo maior que a perna. Podemos ter um pequeno exemplo das tensões que poderá criar: quando a Islândia desvalorizou a sua moeda, criou controlo de capitais para evitar a fuga, o que aconteceu? Deixou de pagar aos credores externos. Isto é: todos aqueles bancos que estavam altamente endividados deixaram de pagar aos bancos ingleses e holandeses. Foi enorme o grau de recriminação que existiu na altura contra a Islândia, um país de 300 mil pessoas. Com este quadro de  ‘pequeno país Vs potência europeia’, imaginar este cenário reproduzido à escala de vários países europeus é realmente muito complicado” é o exercício proposto por Luciano Amaral, especialista em História Económica e autor do livro “Economia Portuguesa, as últimas décadas”.
“Um cenário com os alemães a assistirem à falência do Bundesbank, um dos mais simbólicos pilares da sua estrutura pública, política e cultural do pós-guerra, irá provocar um choque profundo. Já alguém designou este quadro como um ‘Fukushima monetário’. Ou seja: quando surgiu o desastre nuclear no Japão em poucos dias a opinião pública alemã mudou a sua opinião face ao nuclear. O governo de Merkel foi obrigado a rever completamente a sua política face à energia nuclear. Uma queda do Bundesbank pode levar o governo alemão a mudar radicalmente a sua visão face ao Euro e dizer ‘acabou, vamos sair do Euro’ “ receia Pedro Brás Teixeira numa lógica que antecipa o fim da moeda única.

O economista não compromete a opinião do fim do euro com limites temporais, mas não acredita na integração orçamental. “O que a Europa tem como solução é um fim ordenado do Euro ou um fim desordenado e caótico. Acho que são as duas hipóteses que existem, porque não há condições políticas de construir a integração política, orçamental, bancária. Não prevejo nenhum calendário, mas gostava muito que se estivesse já a preparar o fim ordenado do Euro”, sustenta Pedro Brás Teixeira.

No quadro das responsabilidades a apurar no cenário limite do fim da moeda única, o especialista de história económica Luciano Amaral identifica um velho problema fundado num certo arbítrio típico da construção europeia. “Não houve propriamente uma intenção deliberada de criar uma coisa horrível. Houve um voluntarismo inicial em criar uma determinada estrutura institucional pensando, como se faz muitas vezes na Europa: ‘faz-se e depois surge aparecer a solução’. É a teoria das crises, faz-se, depois há-de aparecer um problema e resolve-se, na altura, porque tudo se resolve na Europa”.

Pode ouvir o "Especial Informação", com Luciano Amaral e Pedro Brás Teixeira, no site.