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Há cada vez menos jovens a liderar empresas

27 nov, 2014 • Marília Freitas

A tendência tem-se verificado na última década, revela estudo do ISCTE. Homem, 40 anos, 12º ano, eis o perfil do empresário português.

São sobretudo homens, têm o ensino secundário concluído, situam-se na faixa etária dos 35-44 anos. É assim, hoje, o retrato robô do empresário português.
Nos anos 90, o dono de uma pequena ou média empresa (PME) tinha apenas o ensino básico e entre 45 e 54 anos. No início da década seguinte, o tecido empresarial até rejuvenesceu, mas de 2002 até hoje, desceu o número de jovens a liderar empresas.

Os dados estão numa tese sobre o tecido empresarial português, um dos poucos estudos sociológicos recentes sobre o tema.

“Contrariamente a hipóteses iniciais, e talvez a alguma mediatização desta vaga do discurso do empreendedorismo dos jovens qualificados, o que estes dados revelam é uma tendência de envelhecimento dos empresários”, diz a autora do estudo, Ana Isabel Couto, investigadora do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa.

A maioria dos empresários não tem formação superior, só mesmo o 12º ano – isto apesar do claro "upgrade" nos níveis de formação: as PME já não estão só nas mãos de homens com a 4ª classe, como durante décadas se verificou.

Mais mulheres
O número de mulheres à frente das empresas tem vindo a crescer, mas a chefia empresarial ainda é “um espaço ainda vedado” ao sexo feminino, conclui Ana Isabel Couto. O aumento tem-se registado “sobretudo nas micro-empresas”.

É o caso de Paula Gomes, uma engenheira química que se tornou sócia fundadora de uma empresa de marketing olfactivo. Em 2004, foi desafiada por uma colega a fazer uma tese de doutoramento com o objectivo de criar uma empresa nesta área.

Paula encaixa-se nalguns dos aspectos do perfil dos empresários portugueses divulgado no estudo do ISCTE. Tem 40 anos, formação superior e criou a empresa na área em que fez o curso.

O perfil consta da tese de doutoramento “As pequenas e médias empresas e os seus empresários: diversidade de contextos e de percursos de empreendedorismo em Portugal”.

Evolução do número de empresários de PME, segundo o escalão etário, 1985-2009 Fonte: Quadros de pessoal, GEP/MTSS, 1985-2009, em “As pequenas e médias empresas e os seus empresários: diversidade de contextos e de percursos de empreendedorismo em Portugal”

Novos empreendedores, velhos empresários
O rótulo mudou. Em vez de empresários, passamos a chamar-lhe empreendedores. São os tais jovens qualificados, “com uma média de 32 anos” e que entram no mundo empressarial com negócios inovadores. Mais do que retorno financeiro, olham para a empresa como um projecto de “realização pessoal”.

“O que se verifica é que as empresas criadas são próximas das áreas de formação do empresário”, diz Ana Isabel Couto. Quando tal não acontece, são as elevadas qualificações que facilitam o processo de criação de uma empresa. Conseguem “manusear com à vontade os formulários de candidaturas a apoios”, como os do QREN, e “fazer um bom plano de negócios e de prospecção de mercado”.

Mas estes empresários ainda não são a maioria. Ainda prevalece em Portugal o "empreendedorismo clássico e pouco qualificado". Ana Isabel Couto encontrou um exemplo destes em Alcobaça.

“Era uma empresa de cutelaria, onde o empresário trabalhou muitos anos por conta de outrém. Entretanto essa empresa fechou e ele criou a sua própria empresa, mas não tinha uma forte atracção pelo trabalho por conta própria. Ele dizia: ‘Eu tinha era que resolver a minha vida, não conseguia trabalho, então criei a minha empresa’”, relata a socióloga.

Como em muitos casos semelhantes, a empresa não foi concebida para crescer, mas sim para ser o ganha-pão do empresário.

O filho que fica com a empresa do pai
Não faltarão por todo o país histórias de filhos que herdam as empresas dos pais. Aliás, mais de 60% dos empresários portugueses têm alguém na família que também já foi – ou ainda é – empresário. Mais recentemente, os bancos das licenciaturas de gestão enchem-se de jovens que fazem o curso para depois assumirem a direcção das empresas do pai.

Mas nem sempre é tudo tão linear. Ana Isabel Couto detectou situações em que “a assunção da direcção é motivada por factores externos fortes. Por exemplo, o falecimento do pai obrigou a assumir precocemente a direcção da empresa”.

Em ambos os casos, “há uma tendência para os empresários herdeiros serem mais qualificados do que os empresários fundadores”. “Verifiquei isto nas entrevistas”, conta a socióloga. “Um até me dizia: ‘Eu não sou só empresário por herança, eu sou empreendedor por acção’.”

Apoiando-se em entrevistas biográficas a 20 empresários, Ana Isabel conseguiu traçar seis perfis diferentes dos percursos dos pequenos e médios empresários portugueses. Além destes três (jovem e qualificado; clássico e pouco qualificado; familiar), destacaram-se ainda o empreendedor de contratendência (empresários com condições à partida desfavoráveis), o empreendedor social e o empreendedor serial (que passou por várias experiências empresariais).

A tese de Ana Isabel Couto é um dos poucos estudos sociológicos sobre este tema nos últimos anos. A pesquisa, desenvolvida entre 2008 e 2014, permite traçar o perfil sociográfico do empresário de PME em Portugal e perceber as evoluções neste âmbito nos últimos 30 anos.