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Mediterrâneo. Um mar de preocupações que une três presidenciáveis

21 fev, 2015 • José Pedro Frazão

O caos na Líbia e o aumento do fluxo de imigrantes sujeitos a morrer na travessia para a Europa são analisados por Santana Lopes e António Vitorino no programa “Fora da Caixa” da Renascença. Os comentadores alertam para a urgência de rever o âmbito da Operação da União Europeia no Mediterrâneo.

Mediterrâneo. Um mar de preocupações que une três presidenciáveis
O caos na Líbia e o aumento do fluxo de imigrantes sujeitos a morrer na travessia para a Europa são analisados por Santana Lopes e António Vitorino no programa “Fora da Caixa” da Renascença. Os comentadores alertam para a urgência de rever o âmbito da Operação da União Europeia no Mediterrâneo.

Os números são "aterradores", na expressão de António Vitorino. 3.500 pessoas morreram na travessia do Mediterrâneo no ano passado e pelo menos 218 mil imigrantes tentaram a sua sorte pelo mar até à Europa. Já este ano, as estatísticas dão contra de um aumento dramático de mortes - 415 vítimas contra 27 no mesmo período no ano passado. Contas da Organização Internacional das Migrações apontam para quase 4.000 pessoas salvas nos últimos sete dias.

António Vitorino não poupa criticas à substituição da operação Mare Nostrum ( de iniciativa italiana e com maior raio de acção ) pela Triton ( europeia e mais limitada na sua missão) que está em vigor desde Novembro. "A operação anterior [Mare Nostrum] visava salvar vidas. Esta [Triton, em vigor desde Novembro] tem regras de empenhamento muito mais estritas. Só opera em águas internacionais, não em águas líbias. Alem do mais, em bom rigor, não tem como  missão salvar vidas. Isso é inadmissível", critica o antigo comissário europeu dos assuntos internos no programa “Fora da Caixa” da Renascença.

"Temos obrigações que vão para além das obsessões do momento sobre refugiados e imigrantes. O que faz sentido é não apenas ampliar a capacidade operacional da operação em si mesma, mas também tornar claro que as suas regras de empenhamento visam salvar vidas e não apenas proteger fronteiras", defende Vitorino, num comentário feito antes de ser conhecido o prolongamento da actual operação Triton até ao final do ano. Na decisão conhecida esta semana, Bruxelas não alterou o raio da acção da missão ( até 30 milhas da costa italiana ) nem a natureza da operação, destinada prioritariamente à vigilância de fronteiras.

"O que faz sentido é, não apenas ampliar a capacidade operacional da operação em si mesma, mas também tornar claro que as suas regras de empenhamento visam salvar vidas e não apenas proteger fronteiras", insiste Vitorino, fazendo eco do apelo recentemente lançado por António Guterres . O Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados defendeu este mês que a operação Triton é um substituto inadequado da Mare Nostrum, pedindo o regresso de uma operação robusta de busca e salvamento no Mediterrâneo Central.

É uma causa que une os presidenciáveis. Pedro Santana Lopes está de acordo com a "orientação de princípio" expressa por Guterres. " Não estou a dizer que  seja possível repor a operação Mare Nostrum. Mas, no sentido de preocupação, sim. A causa é triste, mas concordo com ele com todo o gosto", confessa o actual provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

"Um buraco negro"
O aumento homólogo das travessias do Mediterrâneo está associado à degradação da situação na Líbia, onde o Governo de Tripoli já não controla o país, agora ameaçado e parcialmente dominado por movimentos radicais como o grupo terrorista "Estado Islâmico".

Vitorino recupera as palavras da Alta Representante para a Politica Externa da União Europeia, de passagem esta semana por Lisboa. "A senhora Mogherini disse uma coisa que, por mais que doa aos europeus, é absolutamente verdade. Criticámos muito os americanos pela operação no Iraque - que a seguir foi o caos -  e de repente distraímo-nos e a operação na Líbia, de matriz europeia , franco-britânica, também gerou uma situação de caos. Não acautelámos as condições que permitissem a estabilização da Líbia".

A decapitação de cristãos coptas egípcios é apenas uma consequência desse caos, observa Vitorino. " Hoje a Líbia é um país sem lei nem ordem, onde proliferam grupos criminais que, por exemplo, fazem tráfico de seres humanos e comércio de imigração clandestina. E depois prolifera um ramo do Estado Islâmico que perpetuou esse acto bárbaro". Resumindo, na expressão do antigo ministro socialista, " a Líbia é hoje um buraco negro, profundo. E nós, europeus, somos co-responsáveis pela situação".

O que fazer com a crise na Líbia? 
Pedro Santana Lopes comenta um dos cenários em cima da mesa . " Não considero descabida ou disparatada  a proposta de uma intervenção das Nações Unidas", diz o antigo primeiro-ministro que admite impactos de uma decisão dessas "no meio da confusão daquela região". Nesse cenário, Santana Lopes dá preferência a uma "intervenção de capacetes azuis , respeitando o direito internacional, não unilateral, com a participação essencial de países árabes".

Já António Vitorino toma nota de declarações contraditórias de vários ministros italianos. " Os Ministros da Defesa e dos Negócios Estrangeiros de Itália dizem que é preciso uma intervenção militar no terreno, europeia, para repor o mínimo de estabilidade na Líbia. E o Primeiro-Ministro italiano, Matteo Renzi, veio dizer 'calma, é preciso dar espaço à diplomacia, ver se as Nações Unidas conseguem resolver o problema". Questionado sobre a sua opinião, o antigo ministro da Defesa é cauteloso. "Não sei se a solução é apenas militar. Mas é evidente que neste momento não há um Governo em Tripoli capaz de controlar o país".

O caso "SwissLeaks", o combate à evasão fiscal e a proliferação de paraísos fiscais foram outros temas do "Fora da Caixa" desta semana.

O programa "Fora da Caixa" é uma parceria Renascença/Euranet, para ouvir todas as sextas-feiras depois das 23h00