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Álvaro Santos Almeida

“Greve na TAP? Sindicatos passam a dever 32 milhões aos contribuintes”

14 dez, 2014 • José Bastos

No programa "Conversas Cruzadas", o ex-quadro do FMI alerta para "graves efeitos na reputação do país". Silva Peneda apela ao cancelamento da greve para "minimizar custos" de acção "irresponsável".

“Greve na TAP? Sindicatos passam a dever 32 milhões aos contribuintes”
Doze sindicatos da TAP decidem até segunda-feira, se mantêm a greve de 27 a 30 de Dezembro que, a ter lugar, poderá afectar 120 mil pessoas. No Conversas Cruzadas a pressão foi colocada do lado sindical. “Com greve, os sindicatos da TAP passam a dever 32 milhões de euros aos contribuintes portugueses”, diz Álvaro Santos Almeida. Silva Peneda também não encontra justificações para uma eventual paralisação. “Há fins que não justificam os meios", diz o presidente do Conselho Económico e Social.

O economista Álvaro Santos Almeida diz, no “Conversas Cruzadas”, da Renascença, que “com a greve, os sindicatos da TAP passam a dever 32 milhões de euros aos contribuintes portugueses, admitindo que essa estimativa de prejuízos está correcta”.

“Esse dinheiro vai sair do bolso dos contribuintes portugueses. Seja a empresa privatizada ou não”, diz o ex-quadro do Fundo Monetário Internacional (FMI) que amplia a tese: “Se a TAP for privatizada sai do bolso porque quem comprar vai pagar menos 32 milhões de euros. Se não for privatizada porque é preciso injectar mais 32 milhões na empresa”.

Santos Almeida acrescenta que “com esta brincadeira – porque é uma brincadeira de irresponsáveis – a factura pode ser de 32 milhões de euros para os contribuintes portugueses. Isto só de efeitos directos. Quanto a efeitos indirectos na reputação da TAP e do país são muito mais graves”.

“Independentemente das razões é incompreensível que se façam greves nestas circunstâncias. Quatro dias? Nesta época do ano? Não percebo. É incompreensível. É de quem não tem a mínima preocupação com o país e com a empresa em que trabalha”, acusa o professor da Universidade do Porto.

"Há fins que não justificam os meios"
Doze sindicatos da TAP decidem até esta segunda-feira se mantêm a greve de 27 a 30 de Dezembro que, a ter lugar, poderá afectar 120 mil pessoas. O ministro da Economia, Pires de Lima, afirmou, na sexta-feira, que “abriu a possibilidade, mediante o cancelamento da paralisação, de se constituir um grupo de trabalho” para dar resposta aos “pontos de preocupação dos trabalhadores da TAP”.

Silva Peneda também não encontra justificações para uma eventual paralisação da TAP. “Há fins que não justificam os meios. Independentemente das razões que os sindicatos tenham – e podem ser muitas – não há nada que justifique a atitude de fazer uma greve nesta época do ano. Nada”, diz o presidente do Conselho Económico e Social (CES).

“Mesmo que a greve não tenha lugar – e espero que não aconteça, que haja ainda bom senso e que se entendam – os prejuízos são já muitos”, adverte. “Falo de um sector muito sensível, o do turismo. Com os turistas quando surge este tipo de complicações basta acontecer uma vez: a marca fica para muito tempo. Eles nunca mais querem viajar nessa companhia. Há com certeza um fenómeno de erosão de confiança”, alerta o ex-ministro do Emprego.

José da Silva Peneda acrescenta que “quem conhece a realidade sabe disso. O presidente da Confederação do Turismo, Francisco Calheiros, disse – e muito bem – que os prejuízos já são irreparáveis independentemente da greve vir agora a ser anulada ou não”.

O presidente do órgão constitucional de consulta e concertação na área económica e social, o CES, recorre ao seu próprio perfil, tendencialmente conciliador, para acentuar a discordância face a esta greve.

“Eu – habitualmente - compreendo as posições dos sindicatos. Na minha vida pública, passada e recente, tenho sido muito compreensivo, mas há limites. Neste caso os limites foram claramente ultrapassados”, faz notar.

“Não há visão que justifique uma greve neste período do ano. Para já não falar na questão das famílias. Milhares de pessoas que só nesta época se deslocam para ver familiares. Há aqui problemas pessoais e motivos que criam revolta. Fazer greve nesta altura seria – não tenho outro termo – uma irresponsabilidade muito grande”, afirma Silva Peneda.

O presidente do CES espera “que nas próximas horas haja bom senso e se possa, ainda, minimizar os custos, porque muitos prejuízos já estão assumidos e vai ser complicado. Falta saber se as pessoas pensam no país e não só no seu próprio umbigo e interesses pessoais”.

Silva Peneda: “Governo deve exigir resposta a Bruxelas”
No Parlamento, o líder da bancada socialista, Ferro Rodrigues, questionou o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho sobre a possibilidade de haver uma recapitalização pública na TAP, como terá admitido a comissária europeia com a pasta da Concorrência. Margrethe Vestager respondeu com um "é possível" ("one time, one last time") e outro "é melhor tratar o assunto em concreto se aparecer na minha secretária". Na sequência, Ferro afirmou que “o Governo tinha a obrigação de levar até ao limite essa tentativa de recapitalização pública para que a TAP não venha a cair em mãos estrangeiras”. Passos Coelho contrapôs que a comissária fez as declarações “em teoria” e não estava a ser “devidamente citada”.

Álvaro Santos Almeida contextualiza a frase da comissária dinamarquesa. “A afirmação é de quem está no lugar há pouco tempo e, portanto, ainda não conhece os dossiês. Se não me engano, a comissária fez uma afirmação do género ‘é sempre possível uma última vez’.

“O problema é que na TAP essa ‘última vez’ já foi usada e ela não tomou em consideração que, por exemplo, a TAP já se queixou em Bruxelas da restruturação que foi feita na Alitália, beneficiando a transportadora italiana em detrimento dos concorrentes. Mas, no caso da Alitália essa ajuda era mesmo a da ‘última vez’.

Silva Peneda, por seu turno, sugere que o Executivo peça esclarecimentos a Bruxelas. “No lugar do Governo, face a estas declarações da comissária europeia, eu queria uma resposta ‘preto no branco’. Como se criou a suspeição de que a senhora deu uma resposta do tipo ‘nim’, eu queria uma resposta da Comissão, em 24 horas, do tipo ‘pode’ ou ‘não pode’ para acabar com o assunto”, defende o ex-deputado europeu.

“Na opinião pública pode ter ficado a ideia de que o governo está aqui a usar um estratagema. Do tipo: ‘são uns malandros que querem privatizar a TAP e estão a esconder que há outra solução’, admite.

Silva Peneda exigiria uma resposta imediata: “É possível injectar capitais públicos ou não? Julgo que, do ponto de vista jurídico, não é possível essa capitalização, mas como a comissária pôs isto em dúvida eu quereria clarificar a situação”, responde o economista.

Álvaro Santos Almeida robustece o argumento. “No plano político acho que o governo teria todo o interesse em pedir um esclarecimento à Comissão, porque se não o fizer – concordo plenamente com o dr. Silva Peneda – fica no ar a suspeição de que o governo quando invoca Bruxelas está a fazê-lo apenas para justificar uma decisão já tomada”.

“Se fizesse esse pedido tenho toda a certeza que a resposta seria negativa – o governo não pode injectar capital na TAP – mas, pelo menos, a questão ficava esclarecida”, conclui Álvaro Santos Almeida.

Álvaro Almeida: “Não querem perder privilégios pagos pelos contribuintes”
“Os sindicatos existem para defender os seus membros. É perfeitamente legítimo. Não é isso que está em causa. Agora nunca vi nenhum sindicato que existisse para defender o interesse nacional. Portanto, se os sindicatos querem impedir a privatização da TAP é porque acham que a privatização vai acabar com algo no que tem a ver com as condições laborais”, afirma Álvaro Santos Almeida.

O economista amplia o raciocínio. “De duas uma: ou as condições de trabalho na TAP são hoje iguais às de qualquer empresa privada de transportes aéreos e, nesse caso, a privatização nada muda e não há razões para ser contra. Ou então, se há receios com a privatização, é porque os sindicatos acham que numa empresa privada de transportes aéreos teriam condições diferentes, para pior, do que as que têm”.

“Dito de outra forma em português corrente: têm privilégios, mantidos pelos contribuintes portugueses, que não querem perder. É isso que está aqui em causa”, conclui Álvaro Santos Almeida.

Já Silva Peneda discorre sobre territórios de fronteira na actividade sindical. “Os sindicatos têm de ter a noção dos limites e quando estão a entrar em terrenos que colocam em causa até a sua própria legitimidade face à opinião pública”, defende.

“O que está em causa nesta greve convocada pelos sindicatos da TAP é que, de uma forma – julgo – irresponsável, os sindicatos estão a pôr em causa o próprio exercício do sindicalismo tal como deve ser feito numa sociedade moderna e desenvolvida”, sustenta Silva Peneda.

O presidente do Conselho Económico e Social chama a atenção “para este ponto porque outra qualquer análise pode levar a uma extrapolação acerca do papel dos sindicatos no sentido de que são todos negativos para o conjunto da sociedade. Isso não é verdade”.

Álvaro Santos Almeida esclarece o sentido da sua argumentação. “Pode levar a essa interpretação, mas que fique claro que não foi isso que quero dizer. Que fique claro que não ponho em causa o papel dos sindicatos, um papel perfeitamente legítimo e útil”, afirma o economista.

“Agora, o que ponho em causa é que fazendo eventualmente uma greve, cujo argumento é o de contrariar a privatização, é porque têm medo do que a privatização lhes possa trazer. Isso significa que têm agora melhores condições do que acham que vão ter numa empresa privatizada”, acrescentou Santos Almeida.