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Conversas Cruzadas

“Governo comprou guerra escusada com subsídio de férias”

23 jun, 2013 • José Bastos

O subsídio adiado dá mote à conversa entre Miguel Cadilhe, Daniel Bessa e Carlos Moreno, no programa deste domingo.

“Governo comprou guerra escusada com subsídio de férias”
Miguel Cadilhe, Daniel Bessa e Carlos Moreno defendem a reposição na totalidade dos subsídios no imediato. Um tema em debate no Conversas Cruzadas deste domingo, depois de promulgada a nova lei que adia para Novembro o pagamento do subsídio de férias aos funcionários públicos e pensionistas.
“Se estivesse no lugar do ministro das Finanças, não teria dúvidas em mandar pagar agora o subsídio de férias, salvo se não tivesse dinheiro em caixa – o que parece que não é o problema”, afirma o antigo ministro Miguel Cadilhe, no programa Conversas Cruzadas deste domingo.

Miguel Cadilhe, Daniel Bessa e Carlos Moreno defendem a reposição na totalidade do subsídio no imediato, mesmo depois de promulgada a lei que adia para Novembro o pagamento do subsídio de férias aos funcionários públicos e pensionistas.

“São pequenos pormenores, mas importantes do ponto de vista da gestão política. Acho que se as pessoas gastarem agora mais, chegamos a Dezembro e os comerciantes virão dizer que as vendas de Natal estão aquém, porque o dinheiro se gastou em Junho”, afirma o antigo ministro da Economia Daniel Bessa.

“Na gestão política são pormenores importantes. Como diz o Dr. Miguel Cadilhe, se há dinheiro na tesouraria e todas as notícias apontam nesse sentido, eu teria pago agora o subsídio de férias. Teria pago”, garante, apesar de reconhecer a relativa indiferença, juros aparte, da decisão nas contas públicas.

“Para dizer a verdade, não cheguei a perceber a verdadeira razão deste imbróglio, porque é de um imbróglio que estamos a falar. Do ponto de vista das contas públicas, não digo do bolso das pessoas, é indiferente pagar agora ou em Dezembro. Do ponto de vista do estímulo ao consumo, já o disse aqui e volto a referir, defendo que há uma orientação que a economia portuguesa tem de seguir. A economia portuguesa não vai crescer e criar emprego por causa do consumo interno. O caminho é o mercado exterior”, sustenta ainda.

Carlos Moreno, juiz jubilado do Tribunal de Contas, não poupa o Governo e garante: “Evidentemente, também teria pago o subsídio”.

“Mas acrescento uma coisa que me anda, há já algum tempo, a fazer confusão. Vejo os analistas a repetirem todas as semanas – e todas as semanas há uma trapalhada do Governo – que há uma ‘má comunicação’ ou uma ‘má gestão política’. Começo a duvidar que, ao fim de dois anos, um governo, já remodelado duas ou três vezes, não tenha descoberto uma menos má comunicação e uma menos má gestão política”, critica.


Brasil, Turquia: “O problema não é o que parece”
“Se há meia dúzia de meses me perguntassem qual era o país europeu de grande dimensão, a Turquia é seguramente esse país”, defende Daniel Bessa, a propósito das manifestações no Brasil e Turquia.

“A Turquia, pelo menos em parte, é um país europeu” e tem uma “trajectória de crescimento esperado mais intensa e onde talvez faça sentido estar com toda a força”, sustenta.

“E o Brasil? O Brasil é um grande país que teve uma evolução fantástica. Nós sabemos que há problemas, a economia está a arrefecer, mas temos milhões de pessoas nas ruas a propósito de causas. É inacreditável que num país com a dimensão do Brasil, de repente, os estádios de futebol se transformem num pretexto”, comenta Daniel Bessa.

Miguel Cadilhe identifica novos desafios para os regimes democráticos: “As democracias têm de aprender a conviver com estas manifestações que não são controláveis”.

“Tem-se dito que são inorgânicas, não decorrem do quadro organizacional existente. No Brasil, tudo começou por uma questão de tarifas dos transportes públicos. É evidente que o descontentamento estava lá subjacente. Um descontentamento que, depois, chama à pedra, por exemplo, a construção dos estádios do futebol e as grandes despesas com acontecimentos internacionais mesmo que desportivos. Na Turquia, surgiu por causa da construção de um centro comercial numa praça pública que desagradou a muitos turcos e, depois, o descontentamento veio ao de cima e as razões já eram outras”, recorda.

“Portanto, a democracia vai evoluir no sentido de captar, de receber e de acolher de outro modo estas manifestações. Estas manifestações têm de ter um acolhimento de grau diferente no tempo e no modo”, argumenta o ex-ministro.

Daniel Bessa alude à imprevisibilidade do momento: “Quando na Turquia, o primeiro-ministro vem propor um referendo local – até acho que parece uma solução decente equilibrada – as pessoas continuam a protestar e, se possível, ainda mais. Ou seja: o que parecia ser a solução para o problema finalmente não resolve coisa nenhuma”, refere o também presidente da Cotec Portugal.

“O descontentamento estava lá. Aproveitou um pretexto. Um pretexto respeitável. A democracia não apreendeu ainda a aproveitar e a tirar as consequências, no tempo e no modo, destes acontecimentos”, prossegue Miguel Cadilhe.

Carlos Moreno conclui a emissão do “Conversas Cruzadas” com um toque pessoal.

“Deixe-me dizer isto com um certo sabor de vitória profissional: enquanto estive na vida activa fui – porventura incompreendido – profundamente crítico da EXPO 98, dos 10 estádios do Euro 2004, das grandes obras públicas, das PPP’s, etc, e agora vejo os brasileiros nas ruas a quererem trocar cimento armado por educação, por saúde e por cultura. Eu digo: se os portugueses, há 10, 15 anos, tivessem tido a mesma atitude que os brasileiros, talvez Portugal fosse diferente”.