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Como fica o sector da saúde no Orçamento do Estado?

18 out, 2012 • Manuel Carrilho Dias, da PwC [escreve a convite da Renascença]

Manuel Carrilho Dias, director da consultora PwC, escreve sobre os impactos do Orçamento do Estado para 2013 num dos sectores-chave da sociedade portuguesa.

Como fica o sector da saúde no Orçamento do Estado?
Considerando o contexto geral do Orçamento do Estado (OE), talvez se possa afirmar que o Ministro Paulo Macedo conseguiu defender o sector: tomando em linha de conta o valor para amortizar a dívida acumulada da saúde, os recursos financeiros previstos para a saúde no OE 2013 são relativamente generosos.

A amortização da dívida na ordem dos 1.932 milhões de euros é uma boa notícia para os credores dos serviços públicos de saúde. Mas será que dívida a 31/12/2012 será liquidada nos termos da lei ou a amortização diz unicamente respeito à dívida de 2011? Em 2013, será que os serviços de saúde conseguirão honrar os seus compromissos para como os seus fornecedores a tempo e horas ou a manutenção do nível de financiamento significará mais dívida? O OE dá algumas pistas ao reconhecer que a “trajectória de evolução das despesas ainda não está alinhada com o nível de receita disponível”.

Uma interrogação importante é sobre o impacto efectivo na despesa do acordo com os sindicatos dos médicos e se o respectivo acréscimo da despesa será devidamente compensado pela redução do despesa com as horas extraordinárias e com a contratação em regime de prestação de serviços, assegurando a melhoria dos níveis de produção e de produtividade. Se por um lado o aumento da despesa como resultado do acordo é certo, por outro, a concretização do potencial de poupança está longe de estar assegurada.

Em 2013, o sector de saúde verá agravada a sua despesa com pessoal pela via da reintrodução de um dos subsídios retirado em 2012. A este agravamento deve ser adicionado o aumento da despesa resultante do acordo com os médicos (e depois serão os enfermeiros, técnicos, auxiliares, etc. !!!). Assumindo que o SNS manterá o mesmo nível de disponibilidade e de produção, com este nível de financiamento será possível cobrir o acréscimo da despesa com pessoal e assegurar o cumprimento da lei dos compromissos?

Na saúde, a redução da despesa tem sido fundamentalmente efectuada por via administrativa através da redução da despesa com o pessoal, medicamentos e afins. Os utentes, o pessoal e os fornecedores é que têm suportado parte substancial dos cortes. O OE prevê um acréscimo de 10M€ para os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde mas não fundamenta a contribuição efectiva dos serviços partilhados na redução da despesa e na criação de valor para o sector. De igual modo, o OE não clarifica nem dimensiona a contribuição efectiva das medidas incluídas nos planos de ajustamento dos hospitais EPE na redução da despesa, tornando difícil assumir que não é mera afirmação retórica.

A construção do Hospital de Lisboa Oriental só poderá ser positiva e com impacto estrutural ao nível da despesa se da concentração de serviços e competências resultar de forma efectiva o encerramento de unidades hospitalares e serviços, redução das dotações de camas e de efectivos.

Os cortes estruturais na despesa ao nível do medicamento, estimados em 187M€ em 2013, dificilmente poderão ser suportados pelas famílias através da redução das comparticipações. Assim é provável que sejam suportados pela indústria e pela distribuição representando um risco acrescido na desconstrução da cadeia de valor do medicamento (hospitalar e ambulatório), tomando em linha de conta a situação económico-financeira actual de diversos dos seus actores. O agravamento dessa situação poderá ter impactos significativos ao nível da economia e sociedade portuguesa.

É expectável que o modelo e nível de financiamento dos prestadores se mantenham assumindo um nível de actividade aproximado a 2012. Isto poderá significar que eventuais reformas no sector só tenham impacto nos anos seguintes ou que, de facto, por razões de gestão política, tais reformas serão suavizadas não implicando alterações estruturais. Não é expectável uma melhoria do acesso em qualquer dos níveis de prestação de cuidados.

As taxas moderadoras serão congeladas ao nível dos cuidados primários o que é bastante positivo. Contudo, no OE não está claro o que acontecerá com as taxas moderadoras nas urgências e outros serviços hospitalares.