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António Vitorino pede criação de "lista negra" de empresas corruptas

05 dez, 2014 • José Pedro Frazão

Casos em Portugal e Espanha recolocaram o tema na agenda. No "Fora da Caixa" da Renascença, o ex-comissário europeu e Santana Lopes debateram soluções e avaliaram o impacto do fenómeno da corrupção nas democracias europeias.

António Vitorino pede criação de "lista negra" de empresas corruptas
Casos em Portugal e Espanha recolocaram o tema na agenda. No "Fora da Caixa" da Renascença, o ex-comissário europeu e Santana Lopes debateram soluções e avaliaram o impacto do fenómeno da corrupção nas democracias europeias.
O ex-comissário europeu António Vitorino propõe a identificação pública das empresas que recorrem à corrupção.

"Defendo a publicação de uma 'lista negra' das empresas que, onde quer que seja à escala global, recorreram à corrupção. Assim, podemos criar casos exemplares e consequentemente dissuadir outras de seguir o mesmo caminho", disse Vitorino, no programa "Fora da Caixa" (para ouvir esta sexta-feira na Renascença, a partir das 23h00).

A ideia, aplicada às empresas europeias que tenham recorrido à corrupção, teria ainda outro mérito, acredita: "Não distorcer a concorrência. As empresas que recorrem à corrupção estão a distorcer as regras de funcionamento de uma economia saudável de mercado". O fenómeno da corrupção custa 120 mil milhões de euros anuais, dizem dados da Comissão Europeia.

Pedro Santana Lopes concorda com a proposta de uma "lista negra", mas "devem existir esforços para ela ser global e não só continental. Há sempre um exemplo para dar, um sítio para começar".

As distorções podem surgir se a medida for aplicada apenas na Europa, reconhece Vitorino. "Mas a minha ideia é que se a União Europeia tomasse uma posição de vanguarda, pioneira nessa matéria, os outros viriam atras. É, aliás, o mesmo debate sobre os 'offshores’. Sempre fui da opinião de que se se punissem as transacções feitas a partir da Europa com 'offshores’, as empresas portuguesas, espanholas e francesas iram queixar-se imenso, mas não há dúvida nenhuma que se criaria um 'benchmark', um padrão e um nível de exigência que depois acabaria por fazer o seu caminho", sustenta o ex-comissário europeu.

Soluções de combate
Santana Lopes argumenta que "se fala muito, talvez demais, por vezes, na corrupção". Só que, defende o antigo primeiro-ministro, "falar muito fazendo pouco contribui para agravar o fenómeno. Não é por falar muito que se assusta seja quem for".

No primeiro relatório anticorrupção publicado pela Comissão Europeia, lançado no primeiro semestre do ano, Bruxelas pediu mais acção dos Estados-membros.

Santana considera que Portugal tem feito os esforços possíveis em termos de legislação. "Eliminando-se a burocracia, havendo transparência, regras de publicitação adequadas, se os contratos das entidades públicas forem todos inseridos nas plataformas, como a lei o exige hoje em dia, é um grande caminho em frente no sentido do controlo pelas mais variadas entidades", diz.

O antigo presidente do PSD volta a chamar a atenção para a necessidade de "resolver bem" o sistema de financiamento partidário.

"Não sou defensor do financiamento público. É um convite à falta de transparência, ao financiamento privado oculto, escondido. Todo o financiamento deve ser transparente e assumido. Deve partir-se do exemplo de que quem vai exercer cargos públicos tem honra, é bem formado e assume as consequências de ter que lidar com algum processo de uma entidade que tenha sido financiadora da respectiva campanha eleitoral", defende.

Num plano europeu, António Vitorino considera que existe "nalguns casos" falta de meios de investigação. "Os fenómenos de corrupção normalmente estão associados a uma actividade de uma enorme complexidade financeira. É difícil chegar lá e descodificá-la. Em segundo lugar, onde há corrupção há um corrompido e um corruptor. Tendemos a incidir a nossa atenção sobre os corrompidos, e bem, com certeza. Mas não podemos deixar os corruptores fora da fotografia. Sem corruptores não há corrompidos", argumenta o ex-comissário.

Um perigo para as democracias
Um Eurobarómetro de 2013 conclui que a corrupção preocupa 76% dos inquiridos europeus. Em Portugal o número sobe para 90%.

"Se fosse feito agora nas últimas semana em Portugal, o número certamente chegava a 100%", observa Santana Lopes. "Não acredito que [Portugal] seja mais corrupto que outros países europeus. Se há 'demasiado fumo para o fogo que há? Não vou dizer isso. É matéria tão sensível que não quero fazer essa afirmação. Devemos ser cautelosos no discurso sobre esta matéria para não contribuirmos para corroer as instituições e a própria crença da sociedade em si mesma", argumenta o ex-primeiro-ministro.

Para António Vitorino, a questão fundamental é a confiança nas instituições. "Obviamente que uma percepção tão elevada é um sinal de alerta de que há desconfiança em relação à maneira como as entidades estaduais lidam com a corrupção ou são vulneráveis ou permeáveis ao fenómeno da corrupção", conclui.

Santana Lopes diz estar convencido de que a corrupção não é "um fenómeno absolutamente disseminado", apesar dos casos em Espanha e Portugal "que colocam o problema em cima da mesa". O antigo chefe de Governo diz que o impacto é sempre muito mau. "Tudo o que afecte a credibilidade dos representantes políticos é catastrófico para uma boa relação, amiga, de confiança entre os representantes e os representados", remata.

O "Fora da Caixa", que pode ouvir na Renascença às sextas, a partir das 23h00, é uma colaboração Renascença/Euranet Plus, rede europeia de rádios.