Conversas Cruzadas

Subir ou manter o salário mínimo?

10 mar, 2013 • José Bastos

É o tema do programa “Conversas Cruzadas” deste domingo, onde Manuel Braga da Cruz, Carvalho da Silva e Carlos Moreno falam também sobre o custo dos estudantes estrangeiros e a permanência de Portugal na Zona Euro.

Subir ou manter o salário mínimo?
Manuel Braga da Cruz, ex-Reitor da Universidade Católica Portuguesa, considera que aumentar o salário mínimo nesta altura representaria um "sério risco" de aumento do desemprego. Manuel Carvalho da Silva, sociólogo, defende que o aumento dos rendimentos mais baixos tem efeitos imediatos na economia. Carlos Moreno, juiz jubilado do Tribunal de Contas, reconhece que há uma maioria social favorável a uma mexida no salário mínimo. Ideias que se cruzam numa conversa moderada por José Bastos.
“O que toda a gente sabe é que, num contexto como este, mais do que em qualquer outro, todos os cêntimos que forem metidos nos rendimentos mais baixos, face às carências das pessoas, entram de imediato na economia”, defende o sociólogo e antigo secretário-geral da CGTP, Manuel Carvalho da Silva, no “Conversas Cruzadas” deste domingo.

O debate é hoje à volta do salário mínimo e Carvalho da Silva sustenta: os cêntimos entram “de imediato” na economia “porque as pessoas têm necessidades mínimas de consumo. E quem ganha o salário mínimo está, na maior parte dos casos, preso pelo pescoço”.

O ex-reitor da Universidade Católica Manuel Braga da Cruz reconhece um potencial de estímulo à economia doméstica e defende o aumento do salário mínimo, mas alerta para os riscos: “Neste momento, seria correr um sério risco de aumentar o desemprego. Seria um elemento mais a dificultar a criação de emprego”.

“Ninguém está a dizer que não quer que os salários mínimos subam. Aliás, não poucas empresas estão a adoptar uma política de elevação de salários. Acho óptimo. Agora, impor essa política, genericamente a todas as empresas portuguesas, quando o tecido empresarial, sobretudo, das pequenas e médias empresas, está a atravessar tão grandes dificuldades, seria um risco”, ressalva o também antigo presidente da Associação Portuguesa de Ciência Política.

Mas Carvalho da Silva discorda em absoluto e contrapõe, entre outros, com o que defende ser um elemento da própria desqualificação do trabalho: “As pessoas que estão nessas condições fazem as contas. Por exemplo, num casal, se tiverem dois filhos, ou três, ou outros encargos familiares, começam a fazer as contas e concluem que não lhes vale a pena ir trabalhar. Porque um salário mínimo destes leva também depois pessoas que trabalham a tempo parcial a ganhar ainda muito menos”.

E quando começam a fazer as contas da deslocação para o trabalho, da refeição que fazem fora de casa, eles acabam por estar quase a custear o trabalho. Isto contribui para uma incrível desmotivação pelo trabalho”, contra-argumenta.

A síntese chega pelo juiz jubilado do Tribunal de Contas Carlos Moreno para concluir que há uma maioria social favorável a uma mexida no salário mínimo.

“Ouvi o presidente da CIP [Confederação Empresarial de Portugal] dizer que seria muito bom renegociar o aumento do salário mínimo num enquadramento a dois anos. Ouvi o presidente da Confederação do Comércio dizer a mesma coisa. E o presidente do Conselho Económico e Social. Ouvi as duas centrais sindicais dizer a mesma coisa. E ouvi o Presidente da República, numa reunião no Palácio de Belém e novamente quando veio falar na espiral recessiva, dizer que não era com salários baixos que Portugal sairia da crise”, recorda.

“E eu pergunto, com todos estes elementos em equação, porque é que devemos dar razão ao primeiro-ministro e não devemos dar aos outros?”, questiona depois.
Braga da Cruz acrescenta: “As declarações do primeiro-ministro não foram a defender a redução do salário mínimo. O primeiro-ministro disse claramente querer que em Portugal não houvesse redução de salário mínimo. Agora, vamos lá a ver, todos nós gostaríamos que pudesse haver salários mínimos mais elevados. Seria muito desejável”.


Estatuto estudante estrangeiro
“Tenho muita dificuldade em compreender como é que, num momento destes, o contribuinte português tem que suportar milhares de estudantes estrangeiros a estudar em Portugal. Nós temos vários milhares de brasileiros nas universidades portuguesas que estão a pagar a mesma propina que paga um estudante nacional”, denuncia o antigo reitor Braga da Cruz.

“O diferencial entre o custo médio no ensino superior, de acordo com a OCDE, é de sete mil e tal euros, a propina anda à volta dos mil, o que quer dizer que o erário público paga a milhares de brasileiros seis mil euros por ano para frequentarem as universidades portuguesas”, conclui, sobre outro pólo de debate no programa.

“Exemplos destes provam ser possível encetar uma redução da despesa pública sem tocar no essencial do Estado Social”, sublinha.


Futuro de Portugal no euro
Durante o “Conversas Cruzadas” olhou-se também para a entrevista do influente economista alemão Hans Werner Sinn, ao jornal “El País”, onde o presidente do “think tank” IFO admite um cenário com Portugal fora do euro.

“Os países mediterrânicos fizeram asneiras? Pois fizeram, mas os alemães também fizeram muitas. E os países do Norte também fizeram muitas e nunca as pagaram, porque as fizeram no tempo em que a Europa era solidária”, reage o juiz Carlos Moreno, especialista em finanças públicas.

“Então os países mediterrânicos, em autodefesa, devem estudar se não se devem coligar, conjuntamente com a França, para abandonar esta Europa. Porque a Alemanha, quando deixar de vender carros aos franceses, aos portugueses e aos espanhóis, não os vai vender aos chineses”, sustenta.

Já Carvalho da Silva, professor do Centro de Estudos Sociais, argumenta a favor de um debate alargado e com todos os dados sobre a mesa quanto ao futuro de Portugal na moeda única.

“A discussão dos cenários do futuro do euro é uma parte indispensável para a discussão que tenta encontrar caminhos de saída para a crise. Não estou a dizer que Portugal saia a correr do euro. Não. Mas há vários pensamentos sobre a matéria e é preciso colocá-los, porque, se não o fizermos, poderá ser desastroso. Ficaremos à espera de empobrecer mais 30% e depois seremos colocados fora”, defende.

“O que Portugal vai registar, daqui a uns anos, e neste momento são três gerações atingidas por este bloqueio, é que nós assistimos provavelmente ao maior roubo organizado na história do nosso país e não vai ser pequena a responsabilização e a acusação da traição que foi feita durante este tempo”, prevê ainda.

programa "Conversas Cruzadas" é emitido na Renascença aos domingos, entre as 12h00 e as 13h00.