Personalidades de diversos sectores querem que Passos mude ou que se demita

29 nov, 2012

Signatários de uma carta aberta acusam o Governo de evidenciar um "fanatismo cego" e de estar a dirigir "o país para o abismo". Mário Soares, Siza Vieira, Eduardo Lourenço, Carvalho da Silva, Paulo Morais e Valter Hugo Mãe são alguns dos nomes que assinam o texto.

Personalidades de diversos sectores querem que Passos mude ou que se demita

Um grupo de 78 personalidades de vários sectores da sociedade portuguesa entregou, esta quinta-feira, uma carta aberta a Pedro Passos Coelho. Os subscritores do texto exigem um de dois caminhos: ou Passos altera "urgentemente as opções políticas que vem seguindo" ou assume "as consequências políticas que se impõem, apresentando a demissão ao Senhor Presidente da República, poupando assim o país e os Portugueses ainda a mais graves e imprevisíveis consequências".

O texto refere que as políticas do Governo estão a ter consequências danosas para Portugal devido ao "cumprimento cego da austeridade. "[O país perdeu] toda e qualquer esperança", lê-se.

"Ao embuste sustentado no cumprimento cego da austeridade, que empobrece o país e é levado a efeito a qualquer preço, soma-se o desmantelamento de funções essenciais do Estado e a alienação imponderada de empresas estratégicas, os cortes impiedosos nas pensões e nas reformas dos que descontaram para a Segurança Social uma vida inteira, confiando no Estado, as reduções dos salários que não poupam sequer os mais baixos, o incentivo à emigração, o crescimento do desemprego com níveis incomportáveis e a postura de seguidismo e capitulação à lógica neoliberal dos mercados", escrevem os signatários.

O texto refere que, no "meio deste vendaval", todas as previsões que o Governo tem apresentado quanto ao PIB, ao emprego, ao consumo, ao investimento, ao défice, falham. Acusam assim o  Governo de, num "fanatismo cego", estar a fazer "caminhar o país para o abismo".

"Daí também a rejeição que de norte a sul do País existe contra o Governo. O caso não é para menos. Este clamor é fundamentado no interesse nacional e na necessidade imperiosa de se recriar a esperança no futuro."

Os signatários referem-se à recente aprovação de um Orçamento de Estado "iníquo, injusto, socialmente condenável, que não será cumprido e que aprofundará em 2013 a recessão, (...) além de conter disposições de duvidosa constitucionalidade". "O agravamento incomportável da situação social, económica, financeira e política será uma realidade se não se puser termo à política seguida", acrescenta a carta aberta.

Entre os signatários da carta aberta encontram-se Mário Soares (ex-Presidente da República), Adelino Maltez  (professor universitário), Alfredo Bruto da Costa (sociólogo), Alice Vieira (escritora), Álvaro Siza Vieira (arquitecto), Clara Ferreira Alves (jornalista e escritora), Eduardo Lourenço (professor universitário), Fernando Tordo (músico), Frei Bento Domingues (teólogo), João Ferreira do Amaral (professor universitário), Manuel Carvalho da Silva (professor universitário), Manuel Maria Carrilho (professor universitário), Maria de Medeiros (realizadora de cinema e actriz), Paulo Morais (professor universitário), Pedro Abrunhosa (músico) e Valter Hugo Mãe (escritor), entre outros.

Em baixo, pode ler a carta na íntegra:


"Exmo. Senhor Primeiro-Ministro,

Os signatários estão muito preocupados com as consequências da política seguida pelo Governo.

À data das últimas eleições legislativas já estava em vigor o Memorando de Entendimento com a Troika, de que foram também outorgantes os líderes dos dois Partidos que hoje fazem parte da Coligação governamental.

O País foi então inventariado à exaustão. Nenhum candidato à liderança do Governo podia invocar desconhecimento sobre a situação existente. O Programa eleitoral sufragado pelos Portugueses e o Programa de Governo aprovado na Assembleia da República, foram em muito excedidos com a política que se passou a aplicar. As consequências das medidas não anunciadas têm um impacto gravíssimo sobre os Portugueses e há uma contradição, nunca antes vista, entre o que foi prometido e o que está a ser levado à prática.

Os eleitores foram intencionalmente defraudados. Nenhuma circunstância conjuntural pode justificar o embuste.

Daí também a rejeição que de norte a sul do País existe contra o Governo. O caso não é para menos. Este clamor é fundamentado no interesse nacional e na necessidade imperiosa de se recriar a esperança no futuro. O Governo não hesita porém em afirmar, contra ventos e marés, que prosseguirá esta política - custe o que custar - e até recusa qualquer ideia da renegociação do Memorando.

Ao embuste, sustentado no cumprimento cego da austeridade que empobrece o País e é levado a efeito a qualquer preço, soma-se o desmantelamento de funções essenciais do Estado e a alienação imponderada de empresas estratégicas, os cortes impiedosos nas pensões e nas reformas dos que descontaram para a Segurança Social uma vida inteira, confiando no Estado, as reduções dos salários que não poupam sequer os mais baixos, o incentivo à emigração, o crescimento do desemprego com níveis incomportáveis e a postura de seguidismo e capitulação à lógica neoliberal dos mercados.

Perdeu-se toda e qualquer esperança.

No meio deste vendaval, as previsões que o Governo tem apresentado quanto ao PIB, ao emprego, ao consumo, ao investimento, ao défice, à dívida pública e ao mais que se sabe, têm sido, porque erróneas, reiteradamente revistas em baixa.

O Governo, num fanatismo cego que recusa a evidência, está a fazer caminhar o País para o abismo.
A recente aprovação de um Orçamento de Estado iníquo, injusto, socialmente condenável, que não será cumprido e que aprofundará em 2013 a recessão, é de uma enorme gravidade, para além de conter disposições de duvidosa constitucionalidade. O agravamento incomportável da situação social, económica, financeira e política, será uma realidade se não se puser termo à política seguida.

Perante estes factos, os signatários interpretam – e justamente – o crescente clamor que contra o Governo se ergue, como uma exigência, para que o Senhor Primeiro-Ministro altere, urgentemente, as opções políticas que vem seguindo, sob pena de, pelo interesse nacional, ser seu dever retirar as consequências políticas que se impõem, apresentando a demissão ao Senhor Presidente da República, poupando assim o País e os Portugueses ainda a mais graves e imprevisíveis consequências.

É indispensável mudar de política para que os Portugueses retomem confiança e esperança no futuro.

PS: da presente os signatários darão conhecimento ao Senhor Presidente da República.

Lisboa, 29 de Novembro de 2012


MÁRIO SOARES
ADELINO MALTEZ  (Professor Universitário-Lisboa)
ALFREDO BRUTO DA COSTA (Sociólogo)
ALICE VIEIRA (Escritora)
ÁLVARO SIZA VIEIRA (Arquiteto)
AMÉRICO FIGUEIREDO (Médico)
ANA PAULA ARNAUT (Professora Universitária-Coimbra)
ANA SOUSA DIAS (Jornalista)
ANDRÉ LETRIA (Ilustrador)
ANTERO RIBEIRO DA SILVA (Militar Reformado)
ANTÓNIO ARNAUT (Advogado)
ANTÓNIO BAPTISTA BASTOS (Jornalista e Escritor)
ANTÓNIO DIAS DA CUNHA (Empresário)
ANTÓNIO PIRES VELOSO (Militar Reformado)
ANTÓNIO REIS (Professor Universitário-Lisboa)
ARTUR PITA ALVES (Militar reformado)
BOAVENTURA SOUSA SANTOS (Professor Universitário-Coimbra)
CARLOS ANDRÉ (Professor Universitário-Coimbra)
CARLOS SÁ FURTADO (Professor Universitário-Coimbra)
CARLOS TRINDADE (Sindicalista)
CESÁRIO BORGA (Jornalista)
CIPRIANO JUSTO (Médico)
CLARA FERREIRA ALVES (Jornalista e Escritora)
CONSTANTINO ALVES (Sacerdote)
CORÁLIA VICENTE (Professora Universitária-Porto)
DANIEL OLIVEIRA (Jornalista)
DUARTE CORDEIRO (Deputado)
EDUARDO FERRO RODRIGUES (Deputado)
EDUARDO LOURENÇO (Professor Universitário)
EUGÉNIO FERREIRA ALVES (Jornalista)
FERNANDO GOMES (Sindicalista)
FERNANDO ROSAS (Professor Universitário-Lisboa)
FERNANDO TORDO (Músico)
FRANCISCO SIMÕES (Escultor)
FREI BENTO DOMINGUES (Teólogo)
HELENA PINTO (Deputada)
HENRIQUE BOTELHO (Médico)
INES DE MEDEIROS (Deputada)
INÊS PEDROSA (Escritora)
JAIME RAMOS (Médico)
JOANA AMARAL DIAS (Professora Universitária-Lisboa)
JOÃO CUTILEIRO (Escultor)
JOÃO FERREIRA DO AMARAL (Professor Universitário-Lisboa)
JOÃO GALAMBA (Deputado)
JOÃO TORRES (Secretário-Geral da Juventude Socialista)
JOSÉ BARATA-MOURA (Professor Universitário-Lisboa)
JOSÉ DE FARIA COSTA (Professor Universitário-Coimbra)
JOSÉ JORGE LETRIA (Escritor)
JOSÉ LEMOS FERREIRA (Militar Reformado)
JOSÉ MEDEIROS FERREIRA (Professor Universitário-Lisboa)
JÚLIO POMAR (Pintor)
LÍDIA JORGE (Escritora)
LUÍS REIS TORGAL (Professor Universitário-Coimbra)
MANUEL CARVALHO DA SILVA (Professor Universitário-Lisboa)
MANUEL DA SILVA (Sindicalista)
MANUEL MARIA CARRILHO (Professor Universitário)
MANUEL MONGE (Militar Reformado)
MANUELA MORGADO (Economista)
MARGARIDA LAGARTO (Pintora)
MARIA BELO (Psicanalista)
MARIA DE MEDEIROS (Realizadora de Cinema e Atriz)
MARIA TERESA HORTA (Escritora)
MÁRIO JORGE NEVES (Médico)
MIGUEL OLIVEIRA DA SILVA (Professor Universitário-Lisboa)
NUNO ARTUR SILVA (Autor e Produtor)
ÓSCAR ANTUNES (Sindicalista)
PAULO MORAIS (Professor Universitário-Porto)
PEDRO ABRUNHOSA (Músico)
PEDRO BACELAR VASCONCELOS (Professor Universitário-Braga)
PEDRO DELGADO ALVES (Deputado)
PEDRO NUNO SANTOS (Deputado)
PILAR DEL RIO SARAMAGO (Jornalista)
SÉRGIO MONTE (Sindicalista)
TERESA PIZARRO BELEZA (Professora Universitária-Lisboa)
TERESA VILLAVERDE (Realizadora de Cinema)
VALTER HUGO MÃE (Escritor)
VITOR HUGO SEQUEIRA (Sindicalista)
VITOR RAMALHO (Jurista) - que assina por si e em representação de todos os signatários)"