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“Seria gravíssimo se um Presidente do Brasil caísse por causa das ruas”

31 ago, 2015 • José Pedro Frazão

António Vitorino e Pedro Santana Lopes comentam o actual quadro político brasileiro, mergulhado em múltiplos escândalos e plataformas políticas fragilizadas, numa altura em que também a economia não dá sinais positivos.

“Seria gravíssimo se um Presidente do Brasil caísse por causa das ruas”
António Vitorino e Santana Lopes comentam a situação do Brasil no "Fora da Caixa" da Renascença

O terreno em Brasília queima sob os políticos cujo chão ainda não desapareceu debaixo dos seus pés. Aos escândalos de corrupção junta-se agora a investigação às denominadas “pedaladas fiscais”, manobras de manipulação de entradas e saídas de dinheiro dos cofres públicos para mascarar as contas do Estado. Dilma tem responder até meados de Setembro à acusação formulada junto do Tribunal de Contas da União.

António Vitorino detecta uma “disfuncionalidade" no sistema politico brasileiro. “ Dilma Rousseff vai-se arrastando e é a pior situação no poder: uma pessoa que se arrasta no poder por inércia da capacidade de encontrar uma saída, seja dentro do sistema e do regime actual do PT, seja junto da oposição”. O antigo ministro socialista considera que o quadro político é agravado pela situação económica, que se tem vindo a deteriorar já há mais de dois anos.

"Gera uma situação muito difícil para o Brasil.A situação económica impõe medidas de austeridade. Um poder fraco não tem condições de impor medidas de austeridade. Portanto, a inércia e a paralisação do poder político degradam a própria situação económica brasileira. Isto não pode ter um final muito feliz”, antevê Vitorino, no programa “Fora da Caixa” da Renascença.

Dilma frágil e só
Santana Lopes anota uma desagregação da equipa governativa de Dilma. O antigo primeiro-ministro diz que a fragilidade do poder politico brasileiro é grave porque à crise poíitica junta-se a económica no Brasil.

"Isso traz a desorientação. Dilma não ajuda nada à serenidade quando diz que subestimou a crise económica, que não esperava a baixa do petróleo e que a receita fiscal tivesse essa redução tão significativa, que foi surpreendida por quase tudo e todos. Quando na crise na Petrobrás, onde era presidente da administração, é alegado que tudo lhe passava ao lado; quando os brasileiros lembram as fragilidades que teve naquelas manifestações sociais de há dois anos e ela se meteu no avião para São Paulo para pedir orientações a Lula. Acho que é uma presidente politicamente muito débil neste momento. Com Lula debaixo de fogo, já não pode apanhar avião para lado nenhum para se aconselhar seja com quem for. Sozinha, Dilma está a dar provas de grande fragilidade”, acentua Santana no debate de temas europeus da Edição da Noite à sexta-feira.

O antigo líder do PSD considera preocupante que esta crise acabe por beliscar vários sectores políticos.

"A alternativa, neste momento, estará a ser trabalhada. Não é fácil de construir, exige uma grande renovação do pessoal politico. Uma clarificação por eleições ? Penso que sim. A substituição de Dilma pelo seu vice-presidente ? Não me parece alguém com grande carisma ou capacidade de liderança para conduzir o país”, assinala Santana Lopes.

Uma saída política para a crise
Com uma ofensiva judicial e outra nas ruas, com manifestações de protesto de grandes dimensões, aperta-se o cerco a Dilma Rousseff.  António Vitorino considera que, na medida em que o processo formal de ‘impeachment’ (impugnação de mandato)  tem que ser votado no Congresso, essa é, apesar de tudo, a forma mais “palatável” de resolver a questão nos termos da Constituição.

"Cair um presidente pela rua seria um precedente gravíssimo no Brasil. Criar esse precedente é fatal”, sublinha Vitorino. “Em relação ao processo judicial. não creio que a complexidade daquele esquema que estava montado seja fácil de julgar num curto espaço de tempo. E depois há toda a cadeia de recursos, aí o processo judicial desgasta o poder. Não é o processo judicial que pode dar uma resposta à crise do poder, que tem que ser encontrada dentro das instituições para bem da democracia no Brasil”, acrescenta o comentador socialista.

Que saída pode então existir ? Vitorino recua no tempo. “ O que aconteceu com Collor de Melo foi que o processo de ‘impeachment' o levou à demissão. Quando se tornou claro que o ‘impeachment' ia proceder, ele saiu. Nem o poder caiu nas ruas nem houve vulnerabilidade do ponto de vista institucional. Provavelmente é o que poderá suceder aqui, num estado mais avançado da degradação da situação política”, alvitra o antigo comissário europeu.