Conflito de interesses? Quadro do Tribunal de Contas lidera "holding" da Defesa sob escrutínio do Tribunal de Contas
29-09-2023 - 07:00
 • Fátima Casanova

Alexandra Pessanha nega qualquer conflito de interesses, mas associação Frente Cívica diz que "sim" e considera que a situação "coloca em dúvida os resultados da auditoria" à idD. Tribunal de Contas e Ministério da Defesa também já se pronunciaram sobre o caso na idD, uma holding pública que saltou para as primeiras páginas por causa da operação "Tempestade Perfeita".

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A presidente da idD Portugal Defence, Alexandra Pessanha, também é quadro do Tribunal de Contas (TdC), entidade a quem o Governo pediu uma auditoria àquela empresa pública da área da Defesa na sequência da operação Tempestade Perfeita, que tem como arguido o antigo secretário de Estado Marco Capitão Ferreira.

Alexandra Pessanha nega à Renascença qualquer conflito de interesses, mas a associação Frente Cívica considera que os resultados da auditoria podem estar em causa.

Em declarações à Renascença, João Paulo Batalha, da associação Frente Cívica, fala num “conflito de interesses brutal” que coloca em dúvida os resultados da auditoria.

“A ministra da Defesa pediu ao Tribunal de Contas para fazer uma auditoria a uma pessoa que é quadro do Tribunal de Contas e teve responsabilidades de gestão no período que vai ser alvo da auditoria. Isto cria um conflito de interesses brutal para o Tribunal de Contas e coloca sempre em dúvida os resultados dessa auditoria”, afirma João Paulo Batalha.

O dirigente da Frente Cívica acrescenta que Alexandra Pessanha continua a ser quadro do Tribunal de Contas “e um dia em que não esteja na idD por nomeação do Governo voltará ao Tribunal de Contas onde trabalhou diretamente no gabinete do presidente, com vários presidentes, incluindo com o atual”.

João Paulo Batalha defende que o Tribunal de Contas deve esclarecer como vai garantir uma auditoria independente.

“O Tribunal de Contas também tem de explicar de que forma é que vai garantir que a auditoria seja feita em condições de isenção e independência apurando tudo o que há para apurar, porque há uma grande probabilidade das pessoas que estiverem envolvidas, da parte do Tribunal de Contas, quer juízes, quer funcionários, consultores, etc… serem pessoas que conhecem Alexandra Pessanha e que podem eventualmente já ter trabalhado com ela. Temos aqui um problema muito sério.”

O ativista considera, acima de tudo, que a ministra da Defesa, Helena Carreiras, tem de explicar as opções que tomou no caso de Alexandra Pessanha.

“A ministra da Defesa tem muitas explicações para dar. Desde logo, pelo facto de, quando substitui a gestão da idD, manter pessoas que trabalharam com o presidente da idD que tinha estado sob suspeita e que chegou a secretário de Estado [Marco Capitão Ferreira]”, refere.

“Neste caso, a ministra também tem de explicar se está satisfeita com o facto de pedir ao Tribunal de Contas para fiscalizar uma pessoa que é quadro do Tribunal de Contas e que conhece as pessoas que provavelmente estão a fazer essa auditoria. E a ministra tem de explicar porque foi este o modelo que escolheu em oposição, porventura, a pedir uma auditoria a uma entidade privada, mais distanciada e se está satisfeita que não existem conflitos de interesse e como é que tenciona gerir esses conflitos de interesse”, questiona João Paulo Batalha.

Para o vice-presidente da associação Frente Cívica, o Governo é responsável por criar esta situação, a quem pede uma resposta urgente sobre as garantias que pode dar quanto à isenção desta auditoria do Tribunal de Contas à idD, ordenada em julho deste ano.

“Que garantias podem dar aos portugueses de que esta auditoria vai ser verdadeiramente isenta e independente. Estes esclarecimentos têm de ser imediatos e, ao mesmo tempo, também têm de dar um prazo razoável, expectável para a conclusão da auditoria, até para não termos a sensação de que auditores e auditados estarão a cozinhar um relatório que seja simpático para todas as partes. Qual seria o prazo razoável? Acho que uma coisa destas tem de ser feita no máximo em seis meses”, defende o ativista.

Alexandra Pessanha rejeita “totalmente” conflito de interesses

A idD está agora sob escrutínio do Tribunal de Contas. O objetivo é fiscalizar os anos em que Marco Capitão Ferreira esteve na liderança da holding, que tinha no seu conselho de administração Alexandra Pessanha, quadro do mesmo Tribunal de Contas, que à Renascença já disse rejeitar “totalmente” que haja conflito de interesses.

Numa resposta escrita enviada à Renascença, Alexandra Pessanha explica que todas as entidades, que "tenham a seu cargo a gestão ou utilização de dinheiros públicos, ainda que com caráter meramente ocasional, de dinheiros ou outros valores públicos, estão sujeitas à jurisdição e controlo do Tribunal de Contas".

Alexandra Pessanha sublinha que, como "defensora da boa gestão dos dinheiros públicos", encara esta auditoria da mesma forma positiva como encara todas as outras ações de fiscalização que o Tribunal de Contas desenvolve, manifestando-se inteiramente à vontade. Leia aqui as respostas de Alexandra Pessanha.

Tribunal de Contas garante que não tem conflitos de interesse com nenhuma entidade pública

Contactado pela Renascença, o Tribunal de Contas garante que é “alheio à nomeação da atual presidente da idD”.

Assegura, por outro lado, que “não tem quaisquer conflitos de interesses com as cerca de 6.500 entidades públicas que estão sob a sua jurisdição e controlo, incluindo as entidades que se situam na área da defesa nacional”.

O Tribunal de Contas garante também que tem mecanismos para prevenir eventuais situações de conflito de interesses (Leia aqui a resposta do TdC).

Ministra conhece currículo de Helena Pessanha

Em resposta à Renascença, o Ministério da Defesa Nacional defende a escolha do Tribunal de Contas para auditar a idD.

A Renascença perguntou ainda, se a ministra Helena Carreiras sabia que Alexandra Pessanha é quadro do Tribunal de Contas, ao que o gabinete respondeu que a “Ministra da Defesa Nacional conhece, naturalmente, o currículo profissional da Presidente do Conselho de Administração da IdD – Portugal Defence SA, em cujo website está publicada, de resto, uma nota biográfica de todos os membros do Conselho”.

Quadro do TdC na IdD. Quem é Alexandra Pessanha?

Mestre em Direito Público, Alexandra Pessanha ingressou no Tribunal de Contas, em 1997, onde começou por exercer funções de consultadoria jurídico-financeira no Gabinete de Estudos.

Ao longo de 16 anos integrou o gabinete de sucessivos presidentes do TdC, incluindo do atual, para desempenhar funções de adjunta e de consultora, até fevereiro de 2021.

Paralelamente, também desde 1997, Alexandra Pessanha ministrou vários cursos de especialização na área das finanças públicas e do direito administrativo para dirigentes, consultores e auditores do Tribunal de Contas, bem como junto de entidades sujeitas à respetiva jurisdição, funções que também deixou de exercer em fevereiro de 2021.

No total, são 24 anos de trabalho no Tribunal de Contas, como a própria Alexandra Pessanha disse à Renascença, continuando hoje em dia a ser quadro daquela instituição.

A 15 de fevereiro de 2021, Alexandra Pessanha entrou para o conselho de administração da idD Portugal Defence, que gere as participações do Estado nas empresas da Defesa.

A holding arrancou em junho de 2020, sob a liderança de Marco Capitão Ferreira, que se manteve no cargo até assumir funções como secretário de Estado da Defesa, em março de 2022. Um ano depois, em março de 2023, Alexandra Pessanha assumiu o cargo de presidente do conselho de administração da idD.

Marco Capitão Ferreira demitiu-se do Governo no passado mês de julho e foi constituído arguido no âmbito da operação “Tempestade Perfeita”, suspeito dos crimes de corrupção e participação económica em negócio. Nesse mesmo mês de julho, a ministra da Defesa pediu uma auditoria financeira ao Tribunal de Contas.