As crises europeias
07-04-2021 - 06:30

A UE enfrenta várias crises, desde a crise das vacinas (que embaraça sobretudo a Comissão) até às crises que afetam os maiores Estados-membros. E a célebre “bazuca” sofre novos atrasos.

A Comissão Europeia está debaixo de fogo por causa dos atrasos nas entregas de vacinas pelas farmacêuticas. Era excelente a ideia de comprar em grupo todas as vacinas contra o coronavírus, distribuindo-as depois pelos Estados-membros da UE em função da população de cada um.

Só que várias empresas que produzem vacinas se atrasaram, deixando de cumprir os compromissos assumidos com a Comissão. Inexperiência de quem negociou pela UE? Talvez, mas a presidente Ursula von der Leyen tinha sido ministra da Defesa da Alemanha, cargo em que o Estado faz numerosas compras.

O facto é que os contratos assinados pela Comissão e pelas empresas de vacinas eram vagos em matéria de sanções para os incumpridores. Não chega as farmacêuticas dizerem que farão os melhores esforços para entregarem as vacinas nos prazos previstos.

A própria Alemanha rejeita agora envolver-se em futuras compras em grupo; e vários países da UE violam abertamente o esquema incialmente aprovado, procurando vacinas por sua conta e risco onde as encontrarem. Foi uma oportunidade perdida para mostrar como a união faz a força.

Se olharmos para o conjunto dos países da UE vemos que os maiores Estados membros passam por crises complicadas. A sucessão de Merkel na RFA cria instabilidade política naquele país.

E a própria Angela Merkel, conhecida pela sua capacidade de liderar a UE, afetou as relações com os EUA em dois momentos recentes: quando promoveu a assinatura de um acordo comercial da UE com a China, ainda antes de a administração Biden entrar em funções; e na insistência em levar por diante o gasoduto direto da Rússia para o norte do território alemão, tornando o país e a UE energeticamente mais dependentes da Rússia de Putin.

Por outro lado, um grupo de eurocéticos alemães recorreu ao Tribunal Constitucional de Karlsruhe alegando ser inconstitucional o financiamento da “bazuca” europeia através da emissão de dívida pela Comissão. Essa emissão foi um primeiro grande passo no sentido de comunitarizar as dividas públicas dos Estados-membros.

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A medida foi aprovada pelo Conselho e pelo Parlamento Europeu há mais de um ano. Porquê só agora os eurocéticos alemães levam o caso ao seu Tribunal Constitucional? Provavelmente porque sabem que a iniciativa da UE passará nesse Tribunal, mas assim atrasam alguns meses a concretização da “bazuca”, o que irá provocar problemas de relançamento económico em vários países, entre os quais Portugal.

Passando à França, verificamos que Macron, um europeísta, não tem assegurada a sua reeleição no próximo ano. Marine Le Pen poderá suceder-lhe. Macron ganhou as presidenciais de 2017 e depois obteve uma grande maioria na Assembleia Nacional Francesa, maioria que tem diminuído. E a contestação do movimento dos “gilets jaunes” durou anos, provocando inúmeros estragos em Paris e noutras cidades francesas.

A resistência contra Macron não reflete apenas a tradicional tendência francesa de não aceitar reformas; há uma manifesta incapacidade de Macron para criar empatia com a maioria da população de França. Com Macron enfraquecido e Merkel de saída, o chamado eixo franco-alemão não funciona como líder da UE.

Não se pode esperar da Espanha um papel ativo na dinamização da UE. A política espanhola está mais dividida do que nunca. E o problema da Catalunha encontra-se longe de superado. Eram os independentistas catalães quem esperava apoio de Bruxelas; depois perceberam que se tratava de uma ilusão. Mas o risco de o Estado espanhol se desmembrar continua real.

O único grande país da UE em relação ao qual se podem alimentar esperanças é a Itália. Parece um paradoxo, mas não é.

Graças a Draghi, que aceitou ser primeiro-ministro de um país com uma enorme dívida pública, uma economia estagnada e um sentimento alérgico a reformas que toquem em interesses instalados.

Se Draghi não conseguir os seus objetivos de tirar a Itália do marasmo, a continuidade do euro fica posta em causa. E, a prazo, também a continuidade da UE.