Tribunal Constitucional a caminho da despenalização do proxenetismo?
12-05-2023 - 08:02
 • Sérgio Costa

Acórdão de quatro dos 13 juízes do Palácio Ratton reabre discussão sobre a punição do crime, uma vez que "a decisão de uma pessoa se prostituir pode constituir uma expressão plena da sua liberdade sexual". A mesma decisão considera mesmo que punir o lenocínio é inconstitucional quando a prática não recorre à violência ou coação. Ministério Público já recorreu do acórdão.

O Ministério Público recorreu da decisão do Tribunal Constitucional sobre lenocínio. O mesmo tribunal considerou que a atividade não deve ser considerada crime nas situações em que a prostituição é exercida de livre vontade, sem qualquer tipo de coação.

O lenocínio, ou proxenetismo, trata-se da promoção da prostituição, gestão de um negócio, lucro e, não raras vezes, coação para que alguém pratique prostituição.

O simples facto de alguém gerir ou promover a prática de prostituição de outra pessoa não é já um ato de coação?

Não é esse o entendimento da maioria dos juízes do Tribunal Constitucional (TC). Consideram que quem gere, quem angaria clientes para uma outra pessoa se prostituir, pode não estar a cometer crime, caso quem se prostitui o faça de livre vontade.

Os magistrados afirmam mesmo que a punição do crime de lenocínio é inconstitucional quando as condutas praticadas não envolvem violência, nem coação. Portanto, defendem ser inconstitucional punir com cadeia quem lucra com a prostituição alheia praticada de livre vontade, acrescentando estar em causa a liberdade sexual.

O que diz a lei portuguesa?

A lei presume que quem vende serviços sexuais o faz sob alguma forma de coação, razão pela qual a melhor forma de evitar esse risco é punir à partida quem gere este tipo de negócio.

No entanto, a maioria dos juízes do Tribunal Constitucional discorda dessa legislação. Considera inconstitucional quando se prova que a prostituição é um ato livre.

O Ministério Público vai recorrer da decisão do TC. Porquê?

Porque os magistrados do Ministério Público consideram que, não havendo unanimidade dos juízes, é necessária uma decisão definitiva. Pretendem uma clarificação sobre estas questões, tal como a Procuradoria-Geral da República (PGR) avançou à Renascença.

Como surgiu esta discussão?

Diz respeito ao caso de a um bar de alterne de Valpaços, em 2016, e que foi alvo de uma rusga do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). A juíza encarregada de analisar o caso recusou-se a condenar o casal proprietário do espaço depois da declaração de livre vontade das mulheres que ali vendiam práticas sexuais.

A juíza invocou a posição de um antigo presidente do Tribunal Constitucional, Costa Andrade, para quem incriminar proxenetas que não violaram a liberdade sexual constitui "um exercício de moralismo atávico".

Quais serão as consequências caso o Tribunal Constitucional mantenha a sua posição?

Desde logo faz jurisprudência. Nem sequer será necessária qualquer alteração da lei.

Em casos semelhantes, essa decisão fará jurisprudência e, quando for provado não existir coação, não haverá penalização para quem gere o negócio da prostituição. Para além de alguém poder deixar de ser incriminado por lenocínio, pode abrir portas à discussão sobre a legalização da prostituição.