Patrão dos patrões: Competências dos desempregados estão “desadequadas à nova economia”
06-05-2016 - 07:00
 • Ricardo Vieira , Teresa Abecasis (imagem)

Presidente da CIP admite que, na hora de contratar, as empresas preferem os jovens aos mais experientes.

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Preparar os portugueses para a revolução tecnológica, apostar na requalificação das competências da população e diversificar a economia nacional é a receita do presidente da CIP – Confederação Empresarial de Portugal para atacar o problema do desemprego.

Esta semana, a Renascença olhou para o fenómeno do desemprego estrutural, contando a história de Rosário, Lídia, António e Justiniano, todos desempregados há mais de dois anos. Olhámos para o presente e perspectivamos o futuro, num mundo em que o emprego parece estar a tornar-se um bem escasso.

António Saraiva considera que os diagnósticos estão todos feitos, mas falta passar à prática. Os governantes não estão a responder “com eficácia a estes novos desafios”, afirma, em entrevista à Renascença.

Sem generalizar, admite que as empresas mais facilmente contratam um jovem do que um trabalhador mais velho, mas também conhece casos em que a experiência falou mais alto.

Há quase 300 mil pessoas desempregadas há mais de dois anos. Estas pessoas podem engrossar as fileiras do desemprego estrutural. Como é que chegámos a números tão elevados?

Por uma conjugação de factores: a crise que as economias europeias atravessaram e as alterações dos modelos de desenvolvimento, que levaram a que as empresas tenham perdido mercados e competitividade. Hoje temos que concorrer com economias que não têm as mesmas regras que nós, em termos ambientais, sociais, mas colocam os produtos na mesma região onde eu fabrico os meus com as tais regras desiguais. Isso tem um efeito perverso no emprego.

Depois, este crescimento anémico, não só na Europa, mas em muitas regiões do mundo, leva à retracção das actividades, as pessoas compram menos, há menores vendas. Há um efeito conjugado que leva a encerramentos de indústrias e de serviços. E essa redução de actividade tem como efeito a redução de emprego.

Que sector foi mais atingido?

No caso português tivemos um “boom” da construção durante muitos anos. O nosso modelo de desenvolvimento assentou em salários baixos, em pouca inovação e muito em betão. Tivemos uma concentração excessiva na construção e quando houve a retracção desse sector de actividade, para um menor volume de construção, esse sector levou para o desemprego uma camada enorme de pessoas.

O problema do desemprego estrutural elevado veio para ficar?

Temos que requalificar os nossos desempregados, porque quem está hoje no desemprego, com honrosas excepções, são pessoas com competências que estarão desadequadas à nova economia que temos em desenvolvimento. Vamos ter a quarta revolução, que é a digitalização da economia, e para esta economia digital há competências que têm de ser melhoradas.

Como é que se pode requalificar um trabalhador da construção, por exemplo, para outro tipo de tarefas?

Pela formação profissional. Dentro da construção civil, temos artes que hoje têm muita procura, porque se pensarmos em electricistas, em canalizadores, hoje, com algum crescimento da reabilitação urbana, são profissionais que têm muita procura.

Já outros têm menos procura, mas para esses temos de encontrar módulos de formação profissional que lhes elevem as qualificações, requalificando naquelas actividades que esta nova economia vai absorver mais facilmente. Exagerando: qualquer dia, se não soubermos mexer num computador não comemos.

Em que actividades devemos apostar para reduzir o desemprego?

A economia digital traz muitas oportunidades para Portugal, pelo domínio de idiomas que temos, pela região geográfica onde nos encontramos. Dizem que estamos escondidos no Sul da Europa, eu diria que temos hoje uma centralidade para esta nova economia.

Se canalizarmos bem os fundos comunitários, apostarmos no mar, na floresta, nos sectores tradicionais, se desenvolvermos a saúde como um factor económico, a rede de transportes e de energia, temos aqui áreas em que uma correcta aposta e uma política pública bem desenhada podem ajudar a minorar este flagelo social do elevado desemprego.

E isso está a acontecer?

Lamentavelmente, não tenho notado esta prática, mas também não podemos ignorar que vivemos um período de ajustamento. Estes últimos cinco anos foram muito dolorosos, estamos ainda num programa de ajustamento, estamos a adaptar a economia portuguesa à nova realidade e, talvez, neste turbilhão de responder a estes novos fenómenos, tenho que responder que não. Não tenho visto a classe política, os nossos governantes, a responderem com eficácia a estes novos desafios. Mas quando o homem não muda por inteligência, muda por necessidade – e a necessidade já se instalou.

Os incentivos estatais à contratação de desempregados de longa duração e de jovens são suficientes?

São uma ajuda. Não nos iludamos. A única maneira de combater eficazmente o desemprego ao nível que o temos é gerando crescimento económico, mas não se vêem medidas que conduzam eficazmente a esse crescimento. Temos que promover o investimento, libertar as empresas da asfixia da burocracia, ter uma maior estabilidade nas políticas fiscal e laboral e na própria legislação. Temos que ter condições de atractividade do investimento directo estrangeiro.

Que tipo de trabalhadores faltam em Portugal, com que competências?

As mais variadas. A CIP representa todas as actividades económicas do país. Temos sectores em que não há dificuldades em contratação de mão-de-obra, mas temos outros em que isso é muito difícil. Ainda há dias, um colega meu queria torneiros mecânicos e não os conseguia obter, mesmo pagando salários a 2 mil euros. Tal é a escassez. Noutras temos profissionais em excesso. Nos serviços temos muita gente disponível.

Porque é que as empresas não contratam pessoas a partir de uma certa idade?

O problema é que um país como o nosso, que tem o nível de desemprego que tem, que tem anualmente fornadas de jovens muito bem preparados a chegar ao mercado de trabalho, tomara nós que as empresas e que a economia estivessem a absorver a mão-de-obra que hoje tem, seja ela jovem ou mais sénior. Não é isso que está a acontecer e, por isso, as empresas com capacidade de contratar, em igualdade de circunstâncias, têm preferido, provavelmente, contratar um jovem com maiores competências a nível informático, de línguas, etc., do que um sénior que, provavelmente, tem sobre determinada profissão um enorme conhecimento de saber, de experiência feito, mas depois falta-lhe outras que, hoje, a tal economia nova para que caminhamos exige e ele não tem.

Mas também conheço casos em que a preferência da empresa foi pelos conhecimentos do sénior, em detrimento do jovem, porque para aquela função específica era o conhecimento e a experiência daquela actividade, do mercado, dos fornecedores daquela cadeia, que era importante. Não podemos generalizar, mas, em termos gerais, admito que as empresas que estejam a contratar prefiram determinada camada jovem por aquelas características que referi e não porque estejam a ostracizar os seniores.

Bruxelas mostra-se contra o aumento do salário mínimo e alerta para efeitos negativos no desemprego. Concorda com essa leitura?

Está por avaliar este último aumento do salário mínimo para 2016, acordado em sede de concertação social. Esse acordo definia uma avaliação trimestral dos seus efeitos, que está por fazer em sede de concertação social.

Qual é a sua previsão?

Neste momento, não lhe consigo dizer. Porque não sinto que tenha existido sobre o emprego uma carga tão negativa assim. O que nos preocupa é que a carga acrescida na massa salarial pode fazer perigar a sobrevivência de algumas empresas e isso terá implicações no emprego. Por isso, qualquer política salarial deve ter como base ganhos de produtividade, crescimento económico e inflação.