ONG sob pressão para sair de Lesbos. “Estamos a assistir a um aumento da criminalização da ajuda humanitária”
03-09-2020 - 20:07
 • Fábio Monteiro

Devido aos constrangimentos impostos pelo Governo grego e ao risco de contágio pelo novo coronavírus, tornou-se “impossível atuar no terreno”, diz à Renascença Laura MacCann, da Refugee Rescue.

A pandemia de Covid-19 veio tornar uma situação já complicada numa potencial tragédia, após o campo de refugiados de Moria - o maior na Europa -, situado na ilha de Lesbos, na Grécia, ter registado na quarta-feira o primeiro caso positivo de infeção pelo novo coronavírus. No terreno, para os mais de 13 mil requerentes de asilo que ali vivem, os cuidados de saúde são escassos; há apenas seis camas de cuidados intensivos.

As pressões – ataques, multas, burocracias e outros constrangimentos - sobre as Organizações Não-Governamentais (ONG) presentes no terreno têm sido tantas que há mesmo quem esteja de saída. A Refugee Rescue, organização de Search & Rescue (Busca e Salvamento), com sede no Reino Unido, anunciou ontem que, “apesar de continuarem a chegar diariamente barcos com migrantes”, tomou a decisão de “suspender”, por tempo indeterminado, a sua presença na Grécia.

Com todos os constrangimentos impostos pelo Governo grego e, por acréscimo, a pandemia, tornou-se “impossível atuar no terreno”, explica Laura MacCann, responsável de comunicação da ONG, em declarações à Renascença.

Neste momento, por exemplo, para uma organização conseguir atuar no terreno é obrigada a ter um representante legal grego. Tendo em conta que a larga maioria das ONG subsiste de trabalho voluntário, esta nova cláusula representa, no mínimo, “um aumento dos encargos financeiros”, explica.

Mais: a exigência de os voluntários cumprirem períodos de confinamento e isolamento por causa da Covid-19 também é inviável. “Muitos trabalham, vêm ajudar durante os períodos de férias - por norma, de duas a quatro semanas."

Quem participasse de uma missão de resgate - e para tal as autoridades teriam de dar luz verde – teria de ficar depois em isolamento, pelo menos durante uma semana.

Para Pedro Pedrosa, voluntário português e membro da direção da Refugee Rescue, está-se a assistir a “um aumento da criminalização da ajuda humanitária”. Há cada vez mais casos de processos legais contra voluntários, recorda. Em 2018, três voluntários da ERCI (Emergency Response Centre International) foram presos e acusados de auxílio à emigração ilegal; durante três meses, estiveram detidos. O processo judicial ainda está em curso.

Desde de julho de 2019, mês em que a Grécia foi a eleições legislativas e mudou o Governo, ocorreu um óbvio “endurecer das políticas migratórias e de acolhimento de refugiados”, nota o voluntário à Renascença. O Nova Democracia, partido de centro-direita, conseguiu maioria absoluta; Alexis Tsipras, do Syriza, saiu de cena.

Em Lesbos, vive-se agora um clima de profunda insegurança. Há múltiplos relatos de ataques levados a cabo por indivíduos de extrema-direita contra migrantes e voluntários; e incêndios noturnos no campo de Moria. Mas nem isto nem a pandemia vai travar os migrantes que querem chegar à Europa, assevera Laura MacCann.

“Os refugiados vão continuar a atravessar o Mediterrâneo arriscando as suas vidas até que haja uma forma de passagem segura. Qualquer tentativa de os demover, quer de grupos violentos ou da União Europeia, não os vai parar. A única solução é tratar estas pessoas com generosidade e criar rotas de migração seguras.”