Caso Galamba. Marcelo ao ataque promete estar "mais atento" mas não dissolve Parlamento
04-05-2023 - 20:00
 • Tomás Anjinho Chagas

"Onde não há responsabilidade, não há autoridade", diz o Presidente sobre o caso a envolver o ministro das Infraestruturas. Se a decisão fosse sua, adiantou, João Galamba teria sido exonerado.

Mesmo discordando com as opções do Primeiro-ministro, Marcelo Rebelo de Sousa opta pela "estabilidade" e não vai dissolver o Parlamento: "Os portugueses dispensam esses sobressaltos num tempo como este", justifica o Presidente da República.

Na comunicação que fez ao país esta quinta-feira à noite, o Chefe de Estado reiterou a opinião de que João Galamba deveria ter sido demitido, mas olhou para trás para recordar uma coexistência com um Governo PS em que sempre lutou pela estabilidade.

"Como Presidente da República, escolhi há mais de sete anos tudo fazer para garantir a estabilidade e penso ter conseguido, vindo do hemisfério político da direita, conviver durante mais de sete anos com um Governo do outro hemisfério político, da esquerda."

E apesar de assumir que ao contrário do passado, "desta vez" não foi possível "acertar agulhas" com António Costa, o Presidente da República decidiu não usar a bomba atómica (que tantas vezes faz questão de lembrar que tem).

Em nome dessa "estabilidade" de que fala o Chefe de Estado diz que terá "de estar ainda mais atento", ressaltando que não há, da sua parte, "nenhuma vontade de acrescentar mais problemas aos portugueses".

Na declaração que demorou cerca de 15 minutos, Marcelo prometeu um escrutínio "ainda mais intenso" de Belém a São Bento, e não deixou de assinalar as divergências que este caso destapa entre ele e António Costa, dizendo que há uma "diferença de fundo" entre as duas figuras de Estado.

Garantindo que não vai entrar em guerra com o Primeiro-ministro: "Comigo não contem para criar esses conflitos", o Presidente da República acredita que esse acentuar da fiscalização é uma conclusão retirada no imediato neste caso.

"Como pode um ministro não ser responsável por um elemento que escolheu para o seu gabinete", que está "a acompanhar um dossiê tanto sensível como o da TAP", criticou Marcelo Rebelo de Sousa sobre a atual crise política, no seguimento do pedido de demissão de João Galamba, que o primeiro-ministro rejeitou.

"Como pode esse ministro não ser responsável por situações bizarras e deploráveis" como as que foram relatadas até agora? "Responsabilidade é pagar por aquilo que se faz", respondeu o Presidente da República, adiantando que "foi por tudo isto que entendi que o ministro das Infraestruturas devia ter sido exonerado".

As coisas "não se resolvem apenas com um pedido de desculpa", adiantou Marcelo, em declarações sobre "o passado e o futuro" feitas a partir do Palácio de Belém.

Detonador TAP: uma cronologia

Como em anteriores crises no atual Governo, a TAP foi o terreno onde os problemas começaram. O episódio que orbita em torno do gabinete de João Galamba, ministro das Infraestruturas regressa à passada sexta-feira, dia 28 de abril, quando se tornou pública a exoneração do ex-adjunto, Frederico Pinheiro.

Este funcionário nomeado por Galamba terá estado envolvido na organização da polémica reunião preparatória da ex-CEO da TAP, Christine Ourmières Widener, na véspera da gestora francesa prestar esclarecimentos na Comissão de Economia, no Parlamento, no dia 18 de janeiro deste ano.

Frederico Pinheiro foi afastado por “comportamentos incompatíveis com os deveres e responsabilidades" inerentes ao exercício das funções, segundo avançou o gabinete do Ministério das Infraestruturas.

Mas a história adensou-se quando ex-adjunto acusou João Galamba de querer omitir informações à Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão da TAP, uma acusação desmentida de imediato pelo ministro.

A comunicação social relatou depois cenas de pancadaria no Ministério das Infraestruturas, ocorridas no Ministério no dia 26 de abril, onde Frederico Pinheiro terá agredido membros do gabinete quando o tentaram impedir de levar um computador de trabalho que teria informações classificadas, segundo o gabinete de Galamba.

O computador foi depois resgatado pelos Serviços de Informação e Segurança (SIS) serviços secretos, algo que já levou vários partidos a questionar se um caso deste género justifica a intervenção das secretas, e em que moldes é que esta entidade agiu. O computador teria informações relativas ao processo de reestruturação da TAP, apurou a Renascença.

No dia seguinte, sábado, João Galamba deu uma conferência de imprensa onde explicou os detalhes do caso e alegou ter condições para se manter no Governo.

Durante o fim-de-semana, Marcelo Rebelo de Sousa preferiu nunca se alongar em relação ao tema, mas classificou-o como “sensível” e garantiu que tinha sido tratado “com discrição” com o primeiro-ministro. Na altura, tal como tinha feito no momento em que João Galamba foi nomeado, Marcelo mostrava insatisfação com a escolha e pressionava António Costa a deixar cair o ministro.

Os desenvolvimentos foram divulgados enquanto o primeiro-ministro estava fora do país. Em resposta ao Observador, o gabinete do primeiro-ministro considerou que Galamba "deu - e bem- o alerta pelo roubo do computador". Quando aterrou em Lisboa, na segunda-feira, feriado (dia 1 de maio), António Costa classificou o episódio como “inadmissível” em declarações à RTP, salvaguardando no entanto que João Galamba agiu sempre bem em informar o SIS do desaparecimento do computador.

Na altura, o Chefe de Governo deu respaldo à atuação do ministro das Infraestruturas, mas admitiu que o episódio não contribui para a confiança nas instituições, algo que considerou ser um dever de todos os que integram o Governo. E prometeu que falaria com João Galamba no dia seguinte.

Foi o que fez na passada terça-feira: falou com João Galamba, seguiu para Belém para falar com o Presidente da República e voltou a São Bento.

Ao final da tarde surgiu um comunicado do Ministério das Infraestruturas onde João Galamba pedia a demissão em nome da “tranquilidade institucional”, apesar de manter a convicção na forma como agiu durante todo o processo.

Para surpresa da maioria, poucos minutos depois António Costa dava uma conferência de imprensa a rejeitar o pedido de demissão de João Galamba, defendendo o ministro e colocando a responsabilidade do caso em Frederico Pinheiro.

“Não lhe é imputável pessoalmente qualquer falha [João Galamba], que este lamentável incidente é imputável a quem tendo sido demitido agiu violentamente sobre outras pessoas”, defendeu o primeiro- ministro.

Quase de imediato, Marcelo Rebelo de Sousa demonstrou o seu desacordo com a decisão tomada por António Costa que segurava João Galamba. Numa nota publicada no site da presidência da República, o Chefe de Estado dizia discordar com a “leitura política dos factos” feita por António Costa.

Quarta-feira foi o dia do silêncio. O Presidente da República saiu à rua em Belém mas recusou-se a comentar a crise política e pedindo “calma” aos jornalistas.

Esta quinta-feira quebrou o silêncio para prometer que vai manter-se atento e aumentar o escrutínio ao Governo. Mas não detonou a bomba atómica para dissolver o Parlamento, arma com que tantas vezes tem acenado nos últimos meses.